Thursday, June 27, 2013

A Beleza Não Põe Mesa (da série de contos Se Precisar Conto Outra Vez)


A Beleza era empregada na casa do doutor Mário.
Era tudo de bom.
Educadíssima, finíssima, limpíssima, de uma nobreza a toda prova.
Era negra.
Fazia todos os trabalhos da casa, ganhava super-bem frente a essas porcarias que se paga por aí e por ser quem era tinha várias regalias. Era mais do que da família, o povo todo a amava, tanto o doutor quando dona Selma, os filhos, os vizinhos, os entregadores, todos quanto a conheciam, até as crianças dos vizinhos quando as crianças as traziam, porque ela era puro desvelo.
Contudo, a Beleza não punha mesa.
Não tinha nada que a fizesse colocar os pratos e os alimentos na mesa, dona Selma é que tinha de fazê-lo, junto com as crianças ou os visitantes.
Não tinha como fazê-la pôr mesa.
O doutor Mário argumentava:
- Mas, Beleza, e se você fosse minha patroa, eu não teria de colocar a mesa? Ou se qualquer um fosse seu empregado?
Não adiantava.
Tinha havido (ainda há, em alguma medida) escravidão no Brasil, um dos últimos países a aboli-la (na Arábia Saudita houve servidão até a década dos 1960), parecia que ela estava se sujeitando, sei lá, ela não queria lembrar nem de longe do estado servil, de um ser humano submetendo-se a outro, é vergonhoso mesmo.
Nada a convencia.
Pessoa após pessoa achava que podia vencê-la com tal ou qual argumento, tudo baldado.
Que importava?
Se a Beleza não punha mesa, ela fazia muitas coisas boas, maravilhosas, de longe muito melhores que as de outros.
E todo mundo raciocinava: que importa se a Beleza não põe mesa? Ela tem inúmeras utilidades. Que seria de nós sem a Beleza? A Beleza nos alegra, nos traz felicidade, nos ilumina.
E cada qual procurava fazer o que a Beleza não fazia.

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