Wednesday, June 12, 2013

Calderón de la Boca (da série Conto Tudo Novo)


O bacana foi comprar drogas.
- Falaí, mano.
- Oi, como vai?
- Vô bem, e você, brô? Vai querer quanto?
- Dois mil. Você vende muito?
- Não só vendo, como cheiro: eu cheiro bem, sacô? (Ri da própria piada). Como disse o mano véio, Tonzinho: o Brasil é um país diferente, pois as prostitutas gozam, os traficantes cheiram e um carro velho custa mais que um novo. Cara de visão, né?
- É, pena que morreu.
TRAFICANTE-CHEIRADOR (toma um susto, espantadíssimo) – Morreu? Como que ninguém me avisou? O mano Tom? Puta merda!
COMPRADOR – você não leu o jornal, foi isso.
TC – tô passado.
- Quantos anos você tem?
- 27.
- Foi há 18 anos, você só tinha 9.
- Me sinto órfão, pô, brô, não faz isso comigo.
- Já te paguei, vai passar?
- Toma. Cara, a minha vida é um sonho, aliás, posso dizer que a vida é sonho. Cheio tanto que nem sei se poste é sombrinha fechada.
- Seu xará Calderón falou isso.
- Teve outro Calderón?
 - Claro. Calderón de La Barca, nome curto de Pedro Calderón de la Barca y Barreda González de Henao Ruiz de Blasco y Riaño.
- Puta merda, como esse cara foi pegar meu nome?
- Ele não pegou seu nome, você que pegou o dele.
- Vai dizer que eu peguei o nome dele? Quolé, mano?
- É, seu pai ou sua mãe gostavam dele e puseram o nome dele em você em homenagem a ele.
- Conheço ele, não. É daqui de Tatuapé? Caminho de tatu?
COMPRADOR (divertido, vendo até onde ele chegaria) – não.
- De Sampa?
- Não.
- São Paulo?
- Não.
- Pelo menos ele é brasileiro?
- Não.
- Puta merda, assim tá difícil. Não vai dizer que é argentino, tá com cara de ser argentino, se meu pai botou n’eu o nome de argentino vou pegar o velho.
- Não.
- Da América do Sul? Esse puto pegou o meu nome, parece que você falou que ele pegou também meus cabeceamentos. Você falou que ele disse que a vida é sonho? Eu que inventei isso.
- Não foi você, ele falou isso faz tempo, fez um livro.
- Filho duma égua, pegou meu nome, pegou minhas memória, vai ver que tá chupando elas, isso daí de telepatinha. Esse sacana chupou meu cérebro, porisso tô me sentindo vazio, tô que nem louro surfista.
- Ele viveu faz tempo, 1600 a 1681.
- Número 1600? Que rua?
- Não, ano de 1600 a ano de 1681, morreu há 330 anos.
- Tô entendendo nada.
- Ele escreveu um livro, A Vida é Sonho (dá uma alfinetada), tem na biblioteca pública (e outra), pode pegar, é de graça. Ele era espanhol, poeta, dramaturgo.
- Que antecipação! Sei lá, 350 anos, esse cabra já sabia o que eu pensaria, poxa, isso é que ver as coisas. Vamo fazer assim, paga só 1.500, você abriu minhas visão, sacô (bate no peito), é de coração, viu? Aperta aqui.

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