Wednesday, June 19, 2013

Jogo de Xadrez (da série Conto Tudo Novo)


O novato estava todo empolgado, achando que iria abafar, feliz da vida por mostrar seus talentos.
Outros nove do seu time e do outro time estavam todos tristes (menos o Micro), de cabeça baixa, aborrecidos da vida, como se fosse coisa terrível jogar futebol e não grande prazer, até porque sendo todos presos de alta periculosidade era acontecimento o diretor ter permitido o jogo no xadrez de Vila Paçoca de Vidro. Quase duas horas ao sol, era um acontecimento. Lili Demorada (veja o livro, liberdade demorada) jamais viria, prisão perpétua.
Ficou curioso.
Chegou-se ao Zinho, vizinho de cela, cada qual isolada e barrada, nem dava para esticar a mão para cumprimentar, não tinha folga naquele manicômio, era dureza mesmo, pedreira, mermão. Pedreira da pior qualidade, cada pedrão enorme com um martelinho que nem dava pra tirar casca de feijão. Nem visita da mulher permitiam. Zinho tinha matado quatro num debate ameno e sem rancor no Bar-cão, porisso ele foi com jeito. Ele mesmo tinha esfaqueado a mulher – já estavam de bem - e dois cunhados, mas não é bom implicar.
- E aí, Zinho?
- Que é, hem?
- Nada, não, sou tou achando curioso o pessoal estar todo de cabeça abaixada, dos dois times.
- Cuida da tua vida, pôrra.
Entraram em campo, os dois times se esforçavam de verdade, cada qual literalmente dando a vida por aquilo, suavam em bicas, davam porrada, davam rasteira. O novato se esforçou, mas não foi tanto, pra quê tanta agressividade? Ele ia se poupando.
Fim do primeiro tempo o outro time tava ganhando de dois de vantagem, 3 x 1, e pulava que era uma alegria só.
Ele se aproximou do Micro, que era cabra imenso, mais de 2,10, com uma cicatriz gigantesca no rosto, mas doce feito uma garotinha, nem quis saber. O Micro já tinha descadeirado três no jogo, que foram substituídos e saíram feridos, mas felizes da vida, como se tivessem ganhado na loteria. Que coisa mais esquisita!
- Tudo legal, Micro?
- Tudo.
- Nós tamos perdendo, mas você é o único que não está arrancando os cabelos, fora eu.
- Por causa do meu tamanho, ninguém vai se meter. Já poquei 15 das vezes que joguei e perdi. Falar nisso o pessoal do nosso time tá querendo te pegar. Fica aqui perto, achei você legal.
                        - Me pegar?! Por que?
- Cê num tá dando o sangue.
- Tá certo que não tou correndo tanto, nem me rebentando, mas estou me esforçando.
- É, mas tamos perdendo de três a um, dois gols a mais.
- Certo, é ruim, mas o que tem demais, como dizem lá fora, o que vale é competir.
- Não aqui. Aqui vale mais.
- Como assim? Dois é dois.
- Tá vendo como nosso time tá triste? Eles vão tentar DE QUALQUER MODO virar o jogo, pode dar até morte, o diretor não quer nem saber, quer ver é sangue, tá vendo como os guardas tão felizes? (e apontou para as arquibancadas; nas cadeiras estavam os guardas e a diretoria, inclusive o psicólogo-psiquiatra dos odiados eletrochoques, e na geral estavam os outros presos, todos riam, gargalhavam de se mijarem).
Olha, Zecão (ele era pequenininho, um metro e sessenta, porisso o pessoal achava mais engraçado ainda e o time dele reclamava mais ainda, ele achava indecoroso), num sabe isso de ninguém ter mulher?
- Sei, é ruim demais, no máximo telefonema.
- Pois é, como cê acha que o pessoal se satisfaz?
- Não sei... (o Zecão era lerdo demais).
- Pensa um pouco mais.
- Não!...
- É, sim, com toda certeza.
E sabe os dois gols de diferença?
- Não!...
- É, sim, pode acreditar, é a quantidade de vezes.
Zecão entrou com tudo no segundo tempo.

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