O deputado consultou a Internet e soube que
desde a Constituição Federal brasileira de 1988 já tinham passado 3,6 milhões
de leis nacionais, estaduais e municipais. Então ele, na sua inocência de
novato, perguntou-se: “por quê não eu?” E ele mesmo, já que era inocente,
respondeu-se com o máximo de alegria que “eu sim!”
Que lei fazer?
Leis úteis todos tentam fazer e 99 % é pura
porcaria, sem o menor sentido socioeconômico. Ou são leis destinadas a
determinadíssimas empresas, seguindo fielmente os retratos delas, não cabendo
na lei quase nenhumas mais, ou são leis dando nome de rua, nisso o deputado era
inocente, mas não era bobo: leis como as primeiras precisam de patrono e
ninguém o tinha procurado com uma mina daquelas (era seu sonho), ainda, ou como
as segundas, que só têm o alcance da família e dos amigos do logradouro. O
deputado inocente queria ser famoso para deixar de ser inocente, para cair na
gandaia e sair com os ricos, os famosos, os poderosos.
Há também leis do “alto clero”, os deputados
mais famosos ou poderosos ou ricos, os 5 % mais de cima – essas ele não
conseguiria passar, dependeria de muitas alianças, que ele não tinha. Transitar
no “baixo clero” ele não queria, era a ralé, aí era se rebaixar muito, aquela
multidão de 70 % ou mais. Ou 80 %, segundo outras avaliações. Então, sobravam
25 a 15 % e é ali que ele se encaixaria.
Propôs então o “kit enterro”, uma
quantidade de coisas que seriam obrigatória em todos os automóveis e caminhões
do Brasil. Constaria de pá dobrável, a caixa de embalar, uma cruz para quem
fosse cristão (com opção de comprar à parte o símbolo de sua religião), uma
bíblia compacta (ou o alcorão ou o que fosse comprado separadamente, porque
ainda que o Estado fosse leigo sempre é bom respeitar os eleitores), uma vela
(para guiar os caminhos) com caixa de fósforos ultra-seguros, frasco pequeno de
água benta (não fossem se ofender as outras religiões: é só não comprar,
caramba!) e vários outros objetos de pequena monta. Sendo 60 milhões de
veículos no Brasil, certamente isso iria implementar várias indústrias, e que
havia de mal se os amigos e parentes (dos quais ele era sócio) estavam
justamente nessa área, pois não é o liberalismo? Cada um que fosse liberal como
pudesse.
Pode parecer idiota. PODE ATÉ SER IDIOTA,
dane-se, mas que é que tem, um deputado federal do Espírito Santo não quis
passar lei para favorecer a transformação de homossexuais em heterossexuais?
Fiz pesquisas, tá bom? E não teve um estado americano que fez lei para dar ao
transcendental PI (π – 3,141592...)
o valor bíblico de 3? SE os americanos, que são tão avançados, podem ser
idiotas, por que não nós? Vamos sim, ser tão idiotas quanto eles! Afinal de
contas, o terceiro mundo tem de copiar o primeiro. É a ordem das coisas.
A argumentação
do deputado era insistente, se não fosse lógica nem acurada. Ele foi citando
exemplos de leis idiotas dos deputados, por exemplo, o kit de primeiro socorros
e tantas outras. Mas mesmo assim não passou, droga.
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