Monday, June 10, 2013

Nanógrafo (da série Tudo Conto)


O cara me apresentou um “nanógrafo”, gravador de anãos. Falei que era constitucionalmente proibido discriminar as pessoas fosse por qual razão fosse. Ele disse que não era nada disso, não se tratava de nada físico-biológico e sim psicológico e nem visava interferir na vida de ninguém.
- Que é isso? - perguntei assombrado.
- Coloque os óculos (tinha uma bateria de cintura, junto com uns circuitos, bem pequenos) e você vai ver.
Coloquei e realmente vi. Fiquei assustadíssimo, nunca poderia pensar que no Brasil (e particularmente no Espírito Santo) houvessem tantos anãos, homens e mulheres, velhos e novos. Anãos espirituais, devo dizer. O espanto que me tomou quase me fez vomitar. Imaginava que fosse um ou outro, mas não. Gente que fala alto em celular no transporte público. Mães que em vez de conversar com elas gritam ou até batem em crianças que choram. Muito a contragosto ele me contou que em Jardim da Penha há vários anãos batendo nas esposas. Justo quando ele estava falando isso vi um anão estacionando carro em cima da calçada, bem perto. Diz ele que já viu anãos depredando telefone, anãos vendendo carne de segunda como de primeira, todo tipo de anão. Vixe, Maria! Que horror, quanto mais eu olhava mais anão eu via. Olhei para ele, não era, olhei pra mim, também não era, graças a Deus. As coisas em volta ficam do mesmo tamanho. A gente sabe isso porque algumas pessoas são e permanecem grandes. Por sorte há muita gente grande, também.
Nanógrafo, gravador de anãos. Por que não NANÔMETRO, medidor de anãos? Porque, ele disse, que não se tratava apenas de medir e sim de registrar, pois ele está pesquisando a humanidade. A tese dele é a seguinte: visto que os iluminados (Jesus, Buda, Maomé, Gandhi, Lao Tsé, Confúcio e vários outros que não me recordo) nos ensinaram, como foi possível tantos esquecerem as lições? Ou não leram ou não deram bola. Fui ficando indignado, ele tinha razão, mesmo. Como é que as pessoas não prestaram atenção? Fiquei acabrunhado. Ele levantou meu moral, dizendo haver muitos que à primeira vista nem parecem grandes, mas são, até maiores que nós, homens e mulheres. Até crianças. Há velhos de grande dignidade, ele me mostrou vários de sua reserva.
Achei interessante, até pedi para ele me emprestar o aparelho e ele disse não. No começo fiquei aborrecido, mas a seguir, pensando, entendi: eu tenderia a ter raiva dos anãos e quem julga é Deus, que sou eu para julgar? E, depois, quem era anão poderia de repente virar um gigante e vice-versa. De tudo acontece. Serviu para eu ficar precavido: há muito político, muito governante, muito juiz, muito empresário anão, mas aos trancos e barrancos o mundo vai adiante. Deus ainda gosta de nós, apesar de tudo.

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