Monday, June 10, 2013

O Cemitério dos Deuses Eternos (da série Tudo Conto)


O sacerdote grego-egípcio Abnara, luz da sabedoria, estava em Dendera, o grande cemitério dos reis, dos faraós, dos deuses para depositar o corpo de Cleópatra VII Theo Filopáter, cujo nome Cleópatra significa "glória do pai", Thea "deusa" e Filopator "amada por seu pai". Ela fora, porém a tentativa de salvar a Terra Augusta do estrangeiro fora totalmente em vão. Abençoada fosse ela.
Ela, como todos os deuses seus antecessores, seria colocada num dos esquifes dos deuses, existindo-os aos milhares. Eles preservam o corpo para sempre, tal como na morte, para a ressurreição dos corpos. Só os deuses-vivos podem ser colocados nos esquifes. As tentativas de outros de entrar neles redundou em queima completa, não sobrou nem pó. Através dos milênios os esquifes só aceitaram os deuses-vivos, os faraós. Desde o começo. Muitos idiotas tentaram entrar neles e desapareceram completamente. Os esquifes são inteligentes, só aceitam os deuses, sabem reconhecer os invasores não-autorizados. Algumas vezes através dos séculos fizeram escondido e só foi dada a falta. Outras vezes se disfarçaram de faraó e só sobraram as coroas.
Porisso Abnara cumpria o ritual com o último dos deuses-vivos, a faraona Cleópatra. Depositou-a gentilmente com todas as roupas e ficou olhando reverentemente o esquife aceitar o corpo.
Lá longe em Alexandria um corpo qualquer das servas auto-imoladas de Cleópatra tinha sido preparado longamente para o falso sepulcro no Vale dos Reis. O longo ritual de embalsamamento era compartilhado com extrema fidelidade pelos sacerdotes da Casa da Vida, a Casa da Verdade. Ninguém falava. Ninguém nunca falava. Por todos aqueles milênios centenas de falsos corpos tinham sido postos nos sarcófagos. Até eram preparadas procissões perfeitas na simbologia e na simulação e os falsos faraós conduzidos para suas “últimas moradas”. Três mil e quinhentos anos de mentiras, a maior mentira coletiva do mundo.
Em Dendera os quilômetros e quilômetros escavados pelos verdadeiros deuses, os Homens de Antigamente que vieram do Oeste - da nave que afundou, de Atlântida, tantos milhares de anos antes, mais de seis mil anos – eram mantidos pelas máquinas maravilhosas quem nunca paravam de funcionar nem enferrujavam.
Já os enterros falsos eram feitos em lugares bem escondidos, complexos boatos espalhados levando até lá os ladrões de túmulos, de forma que através dos milênios as pessoas acreditavam fielmente ter chegado aos verdadeiros deuses-vivos e profanado seus túmulos em busca de ouro e riquezas. Que interessavam essas coisas perante a vida eterna e a ressurreição dos corpos quando os deuses verdadeiros voltassem? Só tolos fariam essas coisas, pensava Abnara como tantos antes dele.
Muitas horas depois Abnara, ainda pesaroso de estar enterrando a que seria o último dos faraós, a faraona Cleópatra, destruída e tomada a Terra Augusta, o Egito, pelo invasor romano. César Augusto, declarado deus-vivo em Siwa, assim como também Alexandre, estava enterrado ali, porque tinha sido deixado um corpo qualquer em Roma.
Pobres crianças, eles nada sabiam.
Com o desparecimento do País Augusto o conhecimento dos deuses se diluiria e teria de ser descoberto em outras terras, tal como se sabia já no santuário.
Abnara foi passando diante dos esquifes em ordem de tempo e a cada um que passava baixava reverentemente a cabeça, cumprimentando. Estavam todos ali, menos o renegado Akenaton-Moisés, morto em terras estrangeiras e ali desaparecido longe da proteção dos deuses verdadeiros que mantinham os esquifes funcionando era após era. Passou pelos Ptolomeus, por Menkaure, por Kakay, por Dsojer até chegar em Hórus, o primeiro dos deuses reinantes.
Virou-se de frente para eles e fez uma última reverência.
Chorando, deu as costas.
Saiu e fechou as grandes portas.
Atrás de seus passos os trabalhadores começaram a encher as escadas de terra e areia. Todos eles se auto-imolariam depois, para lacrar as bocas para sempre. Ainda que fosse pecado o suicídio, cometiam-no com alegria, aceitando a punição posterior como gesto de amor perante os deuses-vivos que despertariam sabe-se lá quando, milhares de anos depois.

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