Friday, October 11, 2013

Projeto Científico da Lança (da série Vale 100 Contos)

Projeto Científico da Lança

O Comitê de Caça encomendou ao Instituto de Armas o projeto de uma lança mais moderna, contemporânea, até pós-contemporânea (pós-1991), visando a Próxima Estação do Mamute e do Bisão.
O Zezinho da Esquina fazia as lanças da tribo há 32 anos, mas tava muito comum, muito repetitiva: haste e ponta. Só isso, não tinha um plus, não tinha pintura, não tinha logo, não tinha marca, a ponta era sempre a mesma, sem bordadura, sem filigranas. Triangular. Certo, funcionar funcionava mesmo, 32 anos de eficiência, tinha alimentado a tribo 32 anos. Ter tinha mesmo, de fato, 32 anos, ninguém poderia negar, mas eram os avanços, né?
O CC, Comitê de Caça, destinou US$ 2,0 milhões ao projeto, antes mesmo da fabricação:
- a haste deve continuar a ser de madeira ou será de metal ou outro material?
- será de duralumínio, de fibra de carbono, de “aço de bolha” (eu nem sabia o que era isso), de vidro blindex, de plástico ou de quê?
- a ponta se encaixará por rotação em espiral ou será esfriado o cabo e colocado no lugar?
E quanto ao equilíbrio dinâmico da haste?
O IA (Instituto de Armas) subcontratou o TV (Túnel de Vento) para os testes competentes de arremesso e vôo e isso demorou seis meses. Também subcontratou o TIS (Teste de Impactos em Simulacros) para fornecimento das imitações onde se cravariam as lanças, bem como 22 estatísticos para analisar os resultados.
O governo, vendo toda aquela movimentação, enviou fiscais que multaram as subcontratadas por atuarem com pessoal sem carteira assinada. Elas quiseram repassar os custos para o CC, que levou o caso à barra dos tribunais, negando-se a pagar, alegando nada ter com isso. Os fiscais também multaram a presença de várias cargas de materiais sem notas fiscais.
A fome estava apertando, os estoques reguladores estavam baixando assustadoramente, começou a haver inquietação, havia certa rejeição no ar porque as crianças às vezes sentiam fome e as mães começaram o panelaço, os guerreiros urravam: “queremos Zezinho, queremos Zezinho”.
O troço ficou feio. O CC alvoroçou.
Esquentou a coisa. Aquilo saiu, foi uma catinga danada.
“Se Zezinho não voltar vamos quebrar essa bosta toda”.
“Calma, gente, calma”.
O RP (Relações Públicas) do CC foi à luta.
Depois de gastar 5,5 milhões de dólares o CC deu-se por vencido quando o IA já estava aplicando teflon nas pontas para não grudar sangue, e fabricando as capas protetoras das lanças, bem como as peças de reposição. A tribo ficou tão satisfeita com a volta do Zezinho que ninguém perguntou nada. Zezinho está treinando um substituto.
Serra, quinta-feira, 08 de agosto de 2013.
José Augusto Gava.

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