Projetos e Dificuldades (da série Vale 100 Contos)

Projetos e Dificuldades

Os dois vinham em motos negras, vestidos de negro, com sacos enormes nas costas. Um parou. - Negão? - que era branco, vá lá saber os motivos dos apelidos. O outro, parando também e dando ré. - Que é, branquela? - que era negro. - Todo dia que a gente vai fazer a feira na volta essa luz tá acesa, acende sempre às três horas. - E que tem isso? - É um daqueles dispositivos que acende nas horas certas, acho que é casa de mineiros, tá pra nós, vamos rapelar tudo. Amanhã vamo vir de caminhão e vamo levar até as torneiras e os azulejos. - Iêba, vamo fazer a festa.

- Bolão, cê tá pescando de novo. Não tá dormindo direito? - Já faz tempo, desde quando tiramos aqueles plantões. - Desde aquela época? - É. Acordo a qualquer horário, da uma para frente. Aí, religiosamente, às três acendo a luz para lembrar aquela porra, eu acordava às três, você ficava acordado. Vou ler. - E dormir, você não tá dormindo? - Durmo, né? Das 18 para frente qualquer hora é hora. - Entendi, para dar as oito horas de sono. - Quando dou sorte, senão fico com sono e com uma raiva do cão. A mulher fica lá resmungando. - Não tava sabendo, vou falar com o delegado, ele é meu mano da época da faculdade, assim comigo, ó. Vou ver se ele nos coloca em serviço interno, eu já ia começar segunda, não custa nada pedir pra você. Os novatos já foram empossados, eles que peguem a barra pesada. - Ô, mano, fico te devendo essa. Não é só isso do plantão, é também ser matador do Estado, assassino profissional, só se lembram da gente quando é para matar os meliantes, não agüento mais, além de tudo tô sofrendo, não quero mais matar. - Eu até que gosto. - Cada um no seu quadradinho, né? Voltei pra Igreja, tô passado mal, tô um caco, não quero mais essa vida, acho que nem se eu ajoelhar todos os dias da minha vida Deus vai me perdoar. - Que isso, mano, Deus é quem sabe. - Pois é isso, sim, tô no bagaço, não sei, não quero matar nem barata, por mim podem subir em cima, podem passear, podem fazer piquenique, não tô ligando, só se invadissem minha casa...

Serra, quarta-feira, 31 de julho de 2013.

José Augusto Gava.