Friday, October 11, 2013

Psicologia e Natureza (da série Vale 100 Contos)

Psicologia e Natureza

Psicologia e Natureza iam num carro, Psicologia no volante, Natureza de co-piloto, nada do que Natureza dizia Psicologia prestava atenção.
- Vai por aqui, já conheço essa passagem.
Natureza era a mãe, Psicologia era a filha desajuizada.
Quando Natureza era mais jovem a Psicologia ainda era criança, ia ao lado, a mãe dirigindo com todo cuidado, evitando ultrapassagens perigosas, só fazendo o que sabia, nunca dando uma de sabichona, nunca indo além da velocidade permitida, ao passo que quando Psicologia cresceu tornou-se muito destemida, valente, embora considerada, destemperada, afoita, entrando em ruas estreitinhas que mal davam para passar, cometendo desatinos, correndo demais e depois freando, stop anda GO, lá vamos nós na bolha.
Tomou o volante e não quis mais largar.
Arruaça, altas velocidades, confusão.
Choques, quebras, prejuízo.
Natureza ficava toda sem jeito.
- Minha filha, vá mais devagar, nós não sabemos o que está além da esquina.
Psicologia zombava da velha, que se comprimia no banco do carona.
Natureza conhecia cada buraco, cada buraquinho, cada linha do mapa da vida, tudo que existia, mas Psicologia não queria ouvir, tinha mágoa de quando devia obedecer, de quando era pequena e insignificante. Tinha complexo de inferioridade e por vingança passava cada susto na mãe!
- Quero ver esse troço esquentar, aquecer, vamo botar calor nisso!
A Natureza ficava afobada.
- Esse aquecimento vai me matar, essa menopausa tá me liquidando.
Psicologia era volúvel, caprichosa, cheia de vontades, e o fogo da juventude de “tudo querer” a consumia em audácias perigosíssimas, que vez por outra ameaçavam precipitá-la no abismo.
Natureza quase arrancava os cabelos nas curvas que a Psicologia dava.
- Você está acabando comigo, a cada dia morro um pouco.
Mas não adiantava pedir, Psicologia tinha a exuberância dos que ainda não morreram.
Lá iam elas pelas mãos inábeis da Psicologia. Se topassem com um beco sem saída seria batida fatal de frente: não teria volta, não sobraria nem um caquinho. Como preveni-las dos perigos mais à frente?
Serra, quarta-feira, 31 de julho de 2013.
José Augusto Gava.

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