Monday, January 25, 2010

Comumbeira ou Comunidade Macumbeira (da série Tudo Conto)


Certos de que nos novos tempos a política de tolerância era o correto os empresários decidiram fazer um lançamento imobiliário só de apartamentos para macumbeiros. De início foi saudado como um avançando extraordinário, pelo respeito às religiões afro-brasileiras, aceitação notável da África e da cultura própria dos descendentes, que assim se impunham ao racismo brasileiro.
Não deu certo.
É que havia muita gente trabalhando e os trabalhos atrapalhavam um pouco, porque uns perdiam os amados ou as amadas, outros quebravam as pernas (por vezes as duas), outros vomitavam na frente de todo mundo.
Cogitou-se chamar os padres para benzer, mas eles não queriam, pelo sim e pelo não. Alguns pastores ousaram, mas foram atingidos imprevista e de maneira inexplicável.
Exus eram vistos passeando às três da tarde, virou guerrilha urbana, um inferno.
A comunidade se reuniu em congresso, falado em línguas africanas. Uns se ressentiram de não mais compreender as línguas pátrias e ameaçaram se retirar (deixando os exus para trás para atrapalhar, o que todos recusaram).
Os corredores estavam sempre repletos de cachaça e galinhas pretas. Alguns mendigos começaram a entrar para pegar as ofertas pros santos, mas sofriam síncopes súbitas e incompreensíveis.
Árvores vergavam, chovia só sobre uma pessoa, a coisa ficou preta.
O Exército foi chamado para intervir, mas ninguém queria entrar, nem batendo na madeira, nem com reza brava.
Por fim a solução foi derrubar o condomínio e jogar cal em cima.

O Bonsai de Dona Fátima (da série Tudo Conto)


Dona Fátima e o marido saíram de férias por dois meses para festejar uma grande tirada na vida. Foram ver o mundo, “fazer a Europa” e ficaram lá se esbaldando. Deixaram a Eliane tomando conta de casa, moça muito educada recomendada pela agência. Super de confiança. Foram tranqüilos, a Dona Fátima sempre ligava, o marido muito menos, foi uma felicidade só.
De lá emendaram no doutorado dela, o marido foi só acompanhar, o boa vida. Ficaram bem um ano, Dona Fátima sempre ligava, o marido não estava nem aí. Eliane ia semanalmente dar faxina e verificar tudo no prédio chique.
Quatro anos depois quando voltaram Dona Fátima foi conferir tudo, o marido nem ligou.
Dispensou a funcionária contratada e super competente, para ficar tranqüila e ver se não tinha sumido nada. Viu as jóias, olhou tudo. Por aquele dinheirão que pagava à agência queria o melhor.
Tomou um susto.
Ligou imediatamente para a Eliane. Ela veio.
Dona Fátima (assustadíssima) – Eliana, cadê o bonsai?
Eliana – o que é bonsai?
Dona Fátima – a árvore pequenininha. Não deixei instruções para você regar e chamar o tratador?
Eliana – ah, deixou mesmo, eu reguei.
Dona Fátima – e cadê ela?
Eliane – tá ali, ó.
Dona Fátima (olhando sem ver) – onde, só to vendo aquela árvore!
Eliane – pois é, a senhora veja, eu regava daquele jeito que a senhora falou e ela não crescia, aí peguei umas receitas com um amigo jardineiro e ficou essa árvore bonitona que a senhora tá vendo.

Thursday, January 07, 2010

Até Amanhã (série MÚSICAS TEATRALIZADAS)


Da música de Noel Rosa (Rio de Janeiro, capital, 1910 a 1937, apenas 26 anos entre datas, mas um dos maiores poetas brasileiros) com esse nome, 1932.

De um lado do palco um grupo de homens cantará e tocará todo tipo de instrumento portátil, significando as várias personalidades, em grande e efusiva festa, do outro as mulheres batendo palmas continuamente, o tempo todo mesmo, terminando fazendo sobressair “até logo”.
Depois é a vez de as mulheres cantarem, os homens batendo palmas, trocando a frase para dizer “Eu volto para ter ver, ó homem/ de ti gosto mais que outro qualquer”. Elas também tocarão vários instrumentos, fazendo firulas ou rodeios, dançando, pulando, dando cambalhotas, jogando beijos, todo tipo de manifestação amistosa.
Então, ao final, todos se juntarão cada um com cada uma, enquanto apenas a melodia continua tocando.

Vitória, quinta-feira, 15 de janeiro de 2004.
José Augusto Gava.

---
Até Amanhã (samba/carnaval)
Noel Rosa

C7 F Fº F
Até amanhã, se Deus quiser
Bb
Se não chover,
A7
Eu volto pra te ver, ó, mulher!
C7 Dm
De ti gosto mais que outra qualquer
E7
Não vou por gosto
A7 Dm
O destino é quem quer

A7 Dm
Adeus é pra quem deixa a vida
C7 F
É sempre na certa em que eu jogo
D7 Gm
Três palavras vou gritar por despedida
G7 C7
"Até amanhã, até já, até logo!"

A7 Dm
O mundo é um samba em que eu danço
C7 F
Sem nunca sair do meu trilho
D7 Gm
Vou cantando o seu nome sem descanso
G7 C7
Pois do meu samba tu és o estribilho
A7 Dm
Eu sei me livrar do perigo
C7 F
No golpe de azar eu não jogo
D7 Gm
É por isso que risonho eu te digo:
G7 C7
"Até amanhã, até já, até logo!"

As Fases da Terra (série MÚSICAS TEATRALIZADAS)


Da música A Lua, cantada pelo MPB4, não sei o autor.

Mas que onda! É Terra Nova, totalmente vazia de esperança nos primórdios, quando era venenosa e quente, depois é Terra Crescente, cheia de expectativas, atinge um máximo, é Terra cheia, depois declina e assim segue em círculo-linha, circulinha, onda, campo-e-partícula, matéria-e-energia, fazendo-se constantemente.
Neste caso deve ser mostrado um jornal, um diário fictício, A Capeta, página escura para indicar o jornalismo marrom, depois crescente, metade de baixo para cima, depois cheia e iluminada, por último decrescente ou jornalismo minguante, depreciativo, metade de cima para baixo. E assim irá variando, com grandes notícias aparecendo em telão conforme as fases.
No final muita ênfase em “MENTE quem diz que a (Terra) é velha/ mente quem diz/ que a (Terra) é velha/ mente quem diz”.

Vitória, sábado, 03 de janeiro de 2004.
José Augusto Gava.

---
A LUA

Intro: G7+ A G7+ A
G7+ Bm7 G7+ Bm7 G7+

G7+
A lua
Bm7 G7+
Quando ela roda é nova
Bm7 G7+
Crescente ou meia-lua

É cheia
Bm7 F#7
E quando ela roda minguante e meia
Am7 G7+
Depois é lua novamente
Bm7 G7+
Quando ela roda é nova
Bm7 G7+
Crescente ou meia-lua

É cheia
Bm7 F#7
E quando ela roda minguante e meia
Am7
D

Aproximação do Balacobaco (série MÚSICAS TEATRALIZADAS)


Do Samba do Approach, de Zeca Baleiro (cantado com Zeca Pagodinho) – é aí que ZB fala de sangue-bom, borogodó, ziriguidum, balacobaco que no dicionário Houaiss digital aparece como “qualidade ou beleza excepcionais, festa, farra”.

AS TRADUÇÕES (do inglês, tiradas do Michaelis digital)
• brunch, refeição que se toma tarde, mistura de café com almoço;
• approach, aproximação;
• lunch, lanche (deve ser RUSH, pressa, movimento rápido, hora da afobação na saída do trabalho);
• ferryboat, balsa, barco de passagem;
• savoir-faire (francês), saber-fazer;
• light, luz;
• hi-tec, high-technology, alta-tecnologia;
• insight, discernimento, critério, iluminação;
• Jethro Tull é uma banda de rock;
• slash, golpe cortante, ferida;
• cool, fresca;
• trash, refugo, lixo;
• link, conexão, laço;
• my love, meu amor;
• drink, bebida;
• engov, o comprimido que virou sinônimo brasileiro de ressaca;
• green card, cartão verde, o passaporte para permanência dos EUA;
• Miami Beach, praia Miami, da cidade da Flórida, EUA;
• pop star, estrela popular;
• noveau riche (francês), novo-rico;
• sex-appeal, apelo sexual;
• background, experiência, prática;
• Damon Hill - filho de Graham Hill, bicampeão na década dos 1960 - entrou na Fórmula Um em 1992;
• Fittipaldi, bicampeão brasileiro de F 1;
• happy end, final feliz;
• dream team, time dos sonhos, perfeição;
• macho man, homem macho, mistura de espanhol e inglês;
• drag queen, travesti muito afetado; drag é roupa de um sexo usada por outro.

-> O palco (“acima do chão e abaixo do Céu”, solo e teto desenhados como tais, como diz ZP) deve estar coalhado de objetos representando as coisas com os nomes nas línguas postos neles, o ator-cantor passeando entre eles e apontando sucessivamente, zombando, com o peito inflado, debochado. Um folheto com as traduções deve ser oferecido, mesmo para os que conhecem a fundo a língua.

Vitória, quarta-feira, 14 de janeiro de 2004.
José Augusto Gava.

---
Samba do Approach – Zeca Baleiro


Tom: F
Intro: F Bb F Bb F C Bb F C Bb F

F E7 Eb7 D7 Gm
Venha provar meu brunch saiba que eu tenho approach
C7 F C7
Na hora do hush, eu ando de ferryboat, venha provar!
F D7 Gm
Venha provar meu brunch... saiba que eu tenho approach
C7 F
Na hora do lunch, eu ando de ferryboat

F Eb7 D7 Gm C7 F
Eu tenho savoir-faire meu temperamento é light
Cm F7 Bb
Minha casa é hi-tech, toda hora rola um insight
Bbm6 Eb7 Am7
Já fui fã do Jethro Tull, hoje me amarro no Slash
D7 G7 C7 F
Minha vida agora é cool, meu passado já foi trash

F7 Bb G7 Cm
Venha provar meu brunch saiba que eu tenho approach
F7 Bb F7
Na hora do lunch, eu ando de ferryboat, beautifull!
Bb G7 Cm
Venha provar meu brunch saiba que eu tenho approach
F7 Bb
Na hora do lunch, eu ando de ferryboat

G7 Cm F7 Bb
Fica ligado no link que eu vou confessar my love
Fm Bb7 Eb
Depois do décimo drink, só um bom e velho engov
Ebm6 Ab7 Dm
Eu tirei meu green card e fui para Miami Beach
G7 C7 F7 Bb C7
Posso não ser pop star, mas já sou um noveu riche

F E7 Eb7 D7 Gm
Venha provar meu brunch saiba que eu tenho approach
C7 F C7
Na hora do lunch, eu ando de ferryboat, venha provar!
F D7 Gm
Venha provar meu brunch... saiba que eu tenho approach
C7 F
Na hora do lunch, eu ando de ferryboat

F Eb7 D7 Gm C7 F
Eu tenho sex-appeal saca só meu bachground
Cm F7 Bb
Veloz como Damon Hill, tenaz com Fittipaldi
Bbm6 Eb7 Am7
Não dispenso um happy end, quero jogar no dream team
D7 G7 C7 F F7
De dia um macho man e de noite uma drag queen

F7 Bb G7 Cm
Venha provar meu brunch saiba que eu tenho approach
F7 Bb F7
Na hora do lunch, eu ando de ferryboat, beautifull!
Bb G7 Cm
Venha provar meu brunch saiba que eu tenho approach
F7 Bb
Na hora do lunch, eu ando de ferryboat

VOCÊ TAMBÉM É RESPONSÁVEL (série MÚSICA TEATRALIZADAS)


*Dom & Ravel

[mostra as estatísticas de analfabetos, tantos estádios do Maracanã]
Eu venho de campos, subúrbios e vilas,
sonhando e cantando, chorando nas filas

[a platéia do teatro tem demarcados os 15 % de analfabetos, que estão dentro de tapumes de panos, dificultando o ver]
seguindo a corrente sem participar
me falta a semente do ler e contar

[grita para a platéia:]
eu sou brasileiro anseio um lugar
suplico que parem pra ouvir meu cantar:
você também é responsável, então me ensine a escrever
eu tenho a minha mão domável, eu sinto a sede do saber
do saber, do saber

[telão mostra os belos cenários das plantações, que não são dos operários e dos analfabetos]
Eu venho de campos, tão ricos, tão lindos
cantando e chamando. São todos bem-vindos

[seguem-se os presidentes do Brasil e todas as favelas e misérias]
a nação merece maior direção.

[(ao entrar cada espectador terá recebido um lápis): neste momento todos levantam os lápis, substituindo o tradicional gesto da mão fechada]
Marchemos pra luta
de lápis na mão;

[as favelas descem em efeito especial os morros como se fossem morenas das geleiras derramando-se sobre os centros das cidades]
eu sou brasileiro, anseio um lugar, suplico que parem pra ouvir meu cantar:
Você também é responsável
então me ensine a escrever
eu tenho a minha domável, eu sinto a sede do saber
do saber, do saber
do saber do saber

Wednesday, January 06, 2010

Eu Dei (série MÚSICA TEATRALIZADAS)


Marília Barbosa (ver o disco sobre Carmen Miranda)

Eu Dei
*Ary Barroso

[toda coquete]
Eu dei

[malicioso]
O que foi que você deu meu bem

[provocadora, insinuante, debochada]
Eu dei

[mostrando indiferença, mas interessadíssimo]
Guarde um pouco para mim também

Não sei, se você fala por falar sem meditar

[enfrentadora, decididamente irreverente]
Eu dei

[querendo aproveitar, inquieto, sofrendo]
Diga logo, diga logo, é demais

[teimosa, batendo os pés]
Não digo
E adivinhe se é capaz

[entendendo tudo, puxando o olho, segredando]
Você deu seu coração

[ela, rindo, depravada]
Não dei, não dei
Sem nenhuma condição
Não dei, não dei

[independente]
O meu coração não tem dono
Vive sozinho, coitadinho, no abandono

[repetindo com acinte, ácida]
Eu dei

[ele, implorando]
O que foi que você deu meu bem

[ela, saltitando, feliz]
Eu dei

[ele, querendo beliscar]
Guarde um pouco para mim também

Não sei, se você fala por falar sem meditar

[definitivamente esfuziante]
Eu dei

[ele, cada vez mais alucinado]
Diga logo, diga logo, é demais

[ela, cúmplice com a platéia]
Não digo
E adivinhe se é capaz

[revelando finalmente]
Foi um terno e longo beijo
Se foi, se foi
Desses beijos que eu desejo
Pois foi, pois foi

Guarde para mim unzinho
Que mais tarde pagarei com jurinhos

Eu dei
O que foi que você deu meu bem

Eu dei
Guarde um pouco para mim também
Não sei, se você fala por falar sem meditar

Eu dei
Diga logo, diga logo, é demais
Não digo
E adivinhe se é capaz.

---
Serra, quarta-feira, 06 de janeiro de 2010.
José Augusto Gava.

Por Muito Tempo eu Fiquei Calado (série MÚSICA TEATRALIZADAS)


Não Vou Ficar
*Tim Maia

Há muito tempo eu vivi calado, mas agora resolvi falar
[aponta o dedo acusadoramente]

Chegou a hora, tem que ser agora, com você não posso mais ficar
[(aos seus pés há um círculo que, ao andar, ele/ela vai empurrando contra a/o outra/outro) começa a gritar, a balançar os dedos como os rap negros americanos, os cinco dedos abertos, com extrema violência]

Não vou ficar, não
Não posso mais ficar, não, não, não
[(argumenta para o público) no telão vão passando só coisas ruins, são os argumentos]

Toda verdade deve ser falada e não vale nada se enganar
[atrás dela/dele num cilindro vai se acumulando um monte de algo que parece merda]

Não tem mais jeito tudo está desfeito e com você não posso mais ficar
Não vou ficar, não
Não posso mais ficar, não, não, não
[pega um cichote e começa a bater numa parede de vidro entre ambos]

Pensando bem
Não vale a pena
[parece pensar, duvida, irrita-se]

Ficar tentando em vão
O nosso amor não tem mais condição, não
[a cabeça decai; decide-se]

Por isso resolvi agora te deixar de fora do meu coração
Com você não dá mais certo e ficar sozinho é minha solução
É solução, sim
Não tem mais condição, não, não, não
[retira metade da vestimenta, de cima abaixo; uma parte fica escura; sai pulando numa perna só]

Diz respeito à relação entre os pares polares, por exemplo, esquerda e direita. No final o homem corta de cima abaixo metade do corpo e fica clara só metade, a outra metade estando escura; e vice-versa do outro lado a mulher, simetricamente.
Ambos cantam, alternadamente (não importa quem comece, faça sorteio).

Serra, segunda-feira, 04 de janeiro de 2010.

Disseram que Eu Fiquei Americanizada (série MÚSICAS TEATRALIZADAS)


Disseram Que Eu Voltei Americanizada
*Luiz Peixoto / Vicente Paiva

E disseram que eu voltei americanizada
[o cantor tem pendurados nas roupas representações de inumeráveis gadgets, todo tipo de tralha, para representar a adesão dos povos do mundo ao programa americano]

Com o "burro" do dinheiro, que estou muito rica
[roda a manivela de máquina registradora antiga que faz o barulho característico]

Que não suporto mais o breque de um pandeiro
[o pandeiro faz uma parada, a cantatriz dá uma parada também como uma boneca a que sés dá corda, hesita, faz que volta para a vida americanizada, cai no samba]

E fico arrepiada ouvindo uma cuíca
[a cuíca vai fundo, geme, toca a alma, a cantatriz se contorce, bamboleia, perde de vez a pose de estrangeira, joga fora os gadgets]

Disseram que com as mãos estou preocupada
E corre por aí que ouvi um certo zum-zum
que já não tenho molho, ritmo, nem nada
[as bocas penduradas na parede fazem zum-zum-zum, ti-ti-ti]

E dos balangandãs já nem existe mais nenhum
[caça no baú do esquecimento os balangandãs, africaniza-se, europeíza-se]

Mas p'rá cima de mim, p'rá que tanto veneno?
[aponta o peito com os dois dedos indicadores, irritada]

Eu posso lá ficar americanizada?
[rebola, dá com a bunda, balança as nádegas, faz gesto de desprezo]

Eu que nasci com samba e vivo no sereno
[roda sobre si várias vezes]

topando a noite inteira a velha batucada
[pega violão e vários instrumentos]

Nas rodas de malandro, minhas preferidas
eu digo é mesmo "eu te amo" e nunca "I love you"
Enquanto houver Brasil... na hora das comidas
eu sou do camarão ensopadinho com chuchu!
[aparece receita]

Friday, January 01, 2010

Porque os Homens Não Comemoram Aniversário (da série Tudo Conto)


Os primitivos estão caminhando para ir de encontro aos mamutes; um só destes pode alimentar a tribo por muito tempo, porisso eles se prepararam longamente, afiaram as lanças, cuidaram dos laços, dos chumaços por acender, cavaram com grande dificuldade o buraco imenso onde o animal se precipitará depois de encurralado e estão prontíssimos.
GRONK – gente, tava pensando.
BAN – olhai, já vem merda, o Gronk pensando.
TANEU – que é agora, Gronk, nós estamos aqui pra caçar e não pra pensar. Deixa pra pensar depois.
GRONK – é que as mulheres acham a gente muito rudes.
ADEDOR – Gronk, você já percebeu que nós somos homens?
GRONK – mas é que é aniversário do Turor.
TUROR – e daí?
GRONK – acho que a gente deveria comemorar.
TUROR – comemorar o quê?
GRONK – porra, Turor, você tá fazendo 25, cara. Temos de comemorar isso.
TUROR – quem mandou você ficar contando, seu idiota? Gente, não tenho nada com isso.
GRONK (tanto fez que convenceu o pessoal, que achou que com isso ia ter facilidades com as mulheres) – então vamos cantar parabéns.
TODOS (muito sem graça, menos Gronk, todo entusiasmado, batendo palmas) – parabéns pra você, nesta data querida.
DIGOR (chega correndo, afobadíssimo) – Caras, a manada foi embora.
TODOS (indo embora amuados, cabeça baixa; Gronk é o último da fileira, quase se arrastando).
Chegam de volta à tribo. As crianças pulam de alegria, as mães saem da caverna.
MULHERES – cadê o mamute?
TODOS (menos o Gronk) – perguntem pro Gronk.

Ronaldeinstein (da série Tudo Conto)


Com a engenharia genética muitas coisas novas e maravilhosas estão emergindo, inclusive a possibilidade de, misturando os genes através do chamado crossover, se obter resultados muito mais promissores do que se teria com cada lado isolado.
Uma dessas misturas foi a de Ronaldo com Einstein, resultando o formidável Ronaldeinstein, craque tanto na pelota quanto nas cerebrações, pelo menos em princípio, porque na realidade o resultado foi um tanto ou quanto decepcionante.
JOGADOR (do mesmo time dele) – pôrra, Ronaldo, passa a bola, cara.
RONALDEINSTEIN – espera um pouco, estou calculando as trajetórias.
Jogador adversário toma a bola.
JOGADOR 2 – olha aí, cara, olha o que você fez!
RE – posso projetar que ele vai se cansar em 17 minutos e 13 segundos.
Time adversário faz gol.
CAPITÃO DO TIME – ô caralho, assim não dá, vou falar com o professor.
Encaminha-se para a lateral, vai falar com o técnico.
CAPITÃO – professor, assim não dá, esse cara não joga, só fica fazendo conta na maquininha.
PROFESSOR – ah, Tiago, dá um tempo, os cartolas que querem assim, volta lá, cara.
CAPITÃO – ó, professor, vou dar uma porrada nele.
CAPITÃO (para RE): ei, sabichão, o professor pediu pra você sair.
RE – dificilmente, caro capitão. Não é o estilo dele, ele não é de mentir e falou que eu jogaria os 90 minutos.
CAPITÃO (brabo) – tá querendo encarar?
Junta mais gente do time, uns estimulando a briga, outros apartando, o time contrário ri, a imprensa se interessa, lá vem o juiz. Barafunda...

Porque o Espermatozóide Mora Mal (da série Tudo Conto)



1. o apartamento é um ovo;
2. o condomínio é um saco;
3. os vizinhos são uns pentelhos;
4. o lugar é escuro pra caramba;
5. fica perto de uma vala;
6. o dono, quando fica puto, despeja todo mundo.

Oscarpeta (da série Tudo Conto)


Premiação do Cão, em que se distribuem os prêmios por melhores esforços no sentido de atrapalhar os seres humanos.
---
A luz incide sobre a mesa onde sua alteza está cercada de seus cortesãos, seus bajuladores. O presidente Lulinha está ali prestigiando.
Modestamente sua alteza se levanta, prorrompem os aplausos.
Ele sorri à socapa, satisfeito com a presença de tantos salafrários bajuladores, inclusive muitos juízes, fiscais, deputados, senadores a perder de vista. Duas ou três mesas adiante está Dan e ele, reconhecendo-o, cumprimenta-o inclinando a cabeça levemente, colocando a mão fechada no peito, batendo-a levemente no clássico sinal de amizade (“você mora no meu coração”).
- Bom trabalho Dan, continue assim. Aquilo do Código foi magistral, os Anjos também, tudo de bom.
Dan Castanho agradece.
- Sem esquecer o pessoal encarregado da recuperação de Maria Madalena (aponta, o pessoal se levanta e faz reverência), nem o povo de Judas (idem), excelente trabalho.
E vai citando um por um todos que tem publicado.
- O golpe de preparar a “tumba de Jesus” 20 anos em Israel foi genial (uma lágrima escorre de seus olhos, lágrima sanguínea que ao cair corrói como ácido o chão). Os gênios exultam com tal elogio direito.
Um diabinho recém chegado exclama, assustado.
- Meu Deus! (ao que o rabo do Cão chicoteia e decepa a cabeça do imprevidente).
Os demônios do lado saltam.
- Quem trouxe esse idiota?
Vários se afastam de outro e apontam.
- Foi ele!
O indigitado nega.
- Foi não!
- Foi sim.
- Foi não.
Sua Alteza fica todo satisfeito.
- Mas que mentiroso maravilhoso. Coloquem-no como candidato ao Congresso brasileiro.
Há uma pausa para as amenidades e passam o filme de um cara duns 60 anos tentando abrir o celofane de um estojo de DVD, ficando apoplético e caindo duro por cima de cadeiras em casa, ao que prorrompem as risadas na platéia.
- Muito boa, essa, clássica, mas continua boa.
Sucedem-se as apresentações. Papel higiênico que não rasga no picotado. Agora é a vez do “pessoal da fiação”, os gnomos da computação que embaralham os fios dos desktop e vê-se vários casos de gente nervosíssima tentando desembaraçar os fios. Risos, aplausos, urros.
Sua Alteza fala baixo com o presidente Lulinha.
- Aquela do Bush, de ter inventado com os árabes a queda das Torres foi bacana demais. E de passagem bombardeou o Museu de Bagdá onde estavam aquelas coisinhas comprometedoras. Você sabe por que ele não veio?
LULINHA – problemas.
- Tô vendo relativamente pouca gente aqui, dos 200 não tem nem 120.
LULINHA – nem todos são tão leais quanto eu. Vossa Alteza tinha de rever essa política de afrouxamento e liberdade de decisões.
- Pegaram o Obama pra Cristo. Ele já acordou?
LULINHA – Ainda não, está começando a ver a coisa toda, só um ano, ainda está deslumbrado, logo vai ver.
Enquanto isso vão passando na tela os documentários sobre as diabruras dos diabretes na Terra, gente que promete e não entrega, gente que entrega produtos podres, super-taxação do Fisco, casas suntuosas de deputados; geladeiras que soltam o gás, cortadores de unha que quebram no primeiro uso, celulares que queimam a mão do usuário, um inferno...

Organização (da série Tudo Conto)


Cliente liga para o serviço de banda larguinha de Internet nas bordas da roça, um bairro balneário de cidade média.
Atente o proprietário.
PROPRIETÁRIO – SERVINET, em que posso ajudá-lo?
CLIENTE – olhe, você enviou o boleto para dia 9, recebo sempre antes do dia primeiro, deixei de pagar. Você poderia antecipar para dia 1º, enviar o boleto 10 dias antes, dia 20, ficaria legal para mim. Por outro lado, pago esta no dia 27, com os juros.
PROPRIETÁRIO – vou consultar o financeiro. (tapa a boca do telefone) - Benhê, tem um corno aqui que tá devendo, vamo prorrogar?
BENHÊ – dá não, se facilitar não vamos poder fazer a feira nas datas certas.
PROPRIETÁRIO (para o cliente) – olha, companheiro, infelizmente o financeiro falou que não dá, temos compromissos a vencer.
CLIENTE – mas lá de onde eu venho, da cidade grande, o pessoal dilatava um pouco, uns dez dias, 15, sei lá. Eu pagaria duas no dia 27, posso até antecipar a seguinte. Se não for assim não vou poder pagar, de qualquer jeito.
PROPRIETÁRIO – se o senhor não pagar vamos acionar o jurídico. (fala para dentro de casa) - Júnior, o corno não quer pagar.
JÚNIOR (que está no segundo ano de direito) – pai, to cagando, fala pra ele que depois eu ligo.
PROPRIETÁRIO (para o cliente) – olhe, se o senhor não pagar o jurídico vai entrar em contato com o senhor.
CLIENTE – não precisava isso, é só uma prorrogação. Além disso, o seu serviço não é bom, um dia reiniciei a máquina quatro vezes e tive de reconectar mais de oito.
PROPRIETÁRIO – deve ser problema do seu modem. (para dentro de casa) - Benhê, as gambiarras tão caindo.
CLIENTE – acho que vou passar para outro serviço.
PROPRIETÁRIO – o senhor que sabe. (para dentro de casa) - Benhê, mais um puto que cai fora.
BENHÊ – Adão, você tem de melhorar o serviço, o pessoal tá saindo.
CLIENTE – tá bom, tiau. (para um amigo ao seu lado) – Esses caras podem ser uns pulhas, mas pelo menos são organizados.

Lógica Diabólica (da série Tudo Conto)


(que se pode deduzir apenas olhando a tradicional figura do diabo?)

1. tem chifre, é casado, daí corno;
2. como leva garfo grande gosta de comer;
3. estando vermelho é porque pegou sol;
4. para se mostra tão queimado deve ficar muito na praia; como já vimos, gosta de comer, mas não tem tempo de cozinhar, significando que não abandonou a esposa, apesar de ser corno;
5. por conseguinte, já que se sabe corno e não vai embora, é manso;
6. tem rabo, mas não rabo preso, porisso é político esperto;
7. não é feio (pois foi pintado: “o diabo não é tão feio quando se pinta”).

Frank no Jardim (da série Tudo Conto)


Frankenstein vai ao jardim de infância para aprender socialização. É aquela festa: o garoto não é bonito, mas no espírito cristão todo mundo faz o máximo para tratá-lo com igualdade e deferência, colocando-o junto com as crianças de mesma idade que, ao vê-lo, começam a chorar. Vamos e venhamos ele é feio pra danar.
PROFESSORAS (acudindo) – calma, crianças, Franquinho é um doce de criança.
Frank dá um tapa na cara de um garoto. O garoto põe-se a chorar.
PROFESSORA 1 (seguindo a ótica de Montessori e outros) – Frank, meu filho, não pode bater nos amiguinhos.
Frank tasca uma mordida na professora. Ela retira a mão, rápida, e sopra.
PROFESSORA 2 – Marluce, você não sabe lidar com as crianças.
Aproxima-se, Frank dá um soco no estômago dela, ela se dobra. Frank arranca a perna de um garoto maior, que se esvai em sangue.
MARLUCE (apavorada, traumatizada, em pânico) – Frank, querido, você não pode fazer isso!
FRANK (grunhindo) – como é que eu vou crescer? Papai falou que só assim, braços e pernas maiores.
A professora 2 desmaia, chegam os paramédicos e levam o menino, arrancando a muito custo a perna das mãos de Frank, que derruba dois antes de ser posto na camisa de força. As crianças fugiram todas, a polícia chega com o Dr. Frankenstein para tentar acalmar Frank.

As Redes de Dendera (da série Tudo Conto)


Digressão do Guardião.

300 mil anos desde quando o macaco aprendeu a falar isso lá é vida? Sozinho neste planetinha infecto e periférico, tomando conta da gentalha.
Esses bilhões de anjos para cuidar, sem sequer alguém decente com quem conversar. Falar com os outros guardiões, tão distantes em todos esses mundos, mesmo à velocidade da luz, é aborrecidíssimo, pelo retardo, ic. Eles se sentem tão sozinhos quanto eu, ic. Tenho de ficar inventando coisas para não pirar. Não que isso seja possível, as criações do Senhor não dão defeito.
E acho graça, claro, das coisas que vejo, as redes de Dendera. Não são redes de gente deitar, claro que não, são os subterrâneos que os simulacros info-cibernéticos, os robôs atlantes cavaram no subsolo do Egito, esperando estimular a rebelião futura. Morro de rir. Pois tenho bilhões de anjos a meu serviço, cada qual um anjo etérico num delta-avião capaz de destroçar muitos aviões desses da gentinha. Bilhões, seus idiotas. São tantos que até eu me enganaria na contagem, se tal fosse possível. Bilhões, bilhões, bilhões, seus pirados.
Mundo babaca, gente babaca, não aquento mais.
Redes, redes.
O caso é que, com porta em Dendera, na volta mais acentuada do Nilo, os simulacros fizeram cavar uma extensíssima rede de túneis. E ali, bem no fundo da Terra, colocaram uma das suas esferas-lentes de visão espacial, tentando comunicar-se com sua civilização-mãe remota. Como isso seria possível? Por acaso sou idiota? Evidentemente embaralhei os sinais todos. Tanto tentaram que desistiram e a lente está lá até hoje. Por sinal, foi representada. Rio disso. Há, há, há, que merda. É um teleportador também, lógico, mas por acaso eu iria deixar entrar ou sair algo da Terra se Meu Senhor não o desejasse? Nem um ratinho, quanto mais gente!
A lente teleportadora foi retratada como Zodíaco de Dendera, vê se pode, a Chave da Lente. Isso atravessou os milênios e muito convenientemente transformei tudo em lenda, ic.
Como sobraram todas aquelas pedras acima do solo os descendentes dos egípcios primitivos, descendentes dos povos da nave, trataram de elevar pirâmides por milhares de quilômetros. Que trabalheira! Eu, que não me canso nunca, só de pensar fiquei cansado, que triste!
É muita idiotice pra uma gente só.
Que lhes adiantou?
Trabalharam, nadaram, nadaram e morreram na praia.
Não dou ponto sem nó.
E olhe que eu mesmo invento versões e coloco na cabeça dos macacos, depois invento contraversões. Tá, tá, tá, são os filhos (descendentes dos filhos) do Meu Senhor, mas também tenho direito a brincar, por acaso é fácil atravessar 300 mil anos?
Ficar conversando com anjo é enjoado à bessa, meu filho.
E há esse maldito retardo das conversações via luz. Se pelo menos Meu Senhor D’us me deixasse usar os transluminosos da Grande Nave pousada no interior gasoso de Saturno... Droga.
Se eu soubesse da solidão não tinha vindo. Brincadeirinha... Não se pode negar nada a D’us, aí está Quase Lá (é como chamam Estrela da Manhã em surdina) que não me deixa mentir. He, He, He.
Ave, credo, ic. Já estou até adquirindo os trejeitos dos macacos, os filhinhos.
Que chatice.
O que vou inventar nesta década?
Eu tava inspirado nas décadas dos 1960 e dos 1970, mas fiquei enjoado. Que tédio, meu D’us.

A Causa da Queda de Atlântida (da série Tudo Conto)


Do Guardião a D’us:
Meu Senhor, há 20 milênios, anos circunsolares deste mundo a que me mandaste fiz cair nave invasora de 400 km de diâmetro nas proximidades do paralelo que é agora chamado Trópico de Câncer, no lugar antes denominado Mar de Sargaços e hoje Triângulo das Bermudas pelos locais, vossos filhos planejados.
Por oito mil anos ela ficou à superfície, estacionada sobre os picos submersos da região das Bermudas; desenvolveu uma cultura parcial, montando planos de recuperação, tentando instruir uma cultura local que fosse capaz de consertá-la e levá-la de novo aos céus longe da minha intervenção ordenada. Como esperado, os nativos não tinham muita capacidade e pouco puderam fazer naqueles tempos, além do quê procurei impedi-la, segundo vossas orientações sobre povos invasores.
Durante a Glaciação de Wisconsin (segundo os americanos) ou de Worms (segundo os europeus) as águas dos oceanos desceram 160 metros (de 115 a 12 mil anos atrás) e a nave ficou outro tanto visível, como área que foi por oito milênios sendo coberta de solo e cultivada plenamente. Cultura dominante se estabeleceu no local e tentou controlar a Terra. Conhecida como Atlântida, a nave-ilha foi adorada em razão de suas construções simétricas circulares, com a torre central em forma de cone-pirâmide; era meramente a antena da nave, mas os nativos se dispuseram a culto idólatra.
A nave continuou a gerar energia residual, o que faz ainda, elevando coluna de calor criador dos sargaços acima.
Observei-a todos esses milênios e algumas vezes me diverti atrapalhando seus planos.
Entrementes, o afundamento dela foi casual.
Com o fim da glaciação choveu durante mil anos.
A neve acumulada derreteu na mais recente (ainda em curso) bola de fogo, as águas elevaram-se, acumulando tremendo peso sobre as bordas redondas da nave e com o tempo tal massa de água foi demais para os picos abaixo, afundando-a da noite para o dia. No decorrer de horas a nave foi ao fundo, dando-me descanso por alguns milênios, do 12º ao 6º. Todos os planos de conquista deles foram literalmente para o fundo do mar. Só sobraram os navios que estavam longe ou aqueles que tinham prevenidamente migrado.
Eventualmente, diversas vezes, tentaram conquistar a Europa, a África, as Américas e até lugares mais distantes, mas armei os nativos contrários e eles sempre foram derrotados.
Os atlantes verdadeiros estão dormindo.
Estão longe de serem as pessoas boazinhas dos mitos.
Não os deixei acordar, mas de vez em quando a inteligência da nave (longe está ela de poder disputar comigo) liberta simulacros info-cibernéticos humanóides, século após século. Divirto-me, Meu Senhor. Mais recentemente ela tem sido mais constante e tenho enviado meus anjos à caça. Os simulacros apreendem aqui e ali uns e outros humanos, por vezes libertam-nos, dizendo-se eles abduzidos. Os simulacros os dissecam, na esperança de conseguir reproduzi-los, mas tenho estado vigilante. Por vezes até se apoderam de suas consciências aqui e acolá, tudo dentro do planejamento de Meu Senhor.
Há 300 mil anos estou aqui, velando por sua criação, interferindo minimamente na geração da Natureza local.
Quando vosso filho primeiro chegou com sua consorte, há perto de seis milênios, os atlantes dispuseram-se a opor-se a sua presença ordenada. Haviam se disseminado os “descendentes” dos atlantes, desde o afundamento, para norte até a América do Norte, para sul até a América do Sul, para leste até a África. Difundiram suas crenças no que ficou sendo o Egito, de onde elas se espalharam. Construíram pirâmides dessemelhantes das suas e dali planejaram contaminar a cultura mundial futura.
Durante esses 300 milênios desde o aparecimento dos neanderthais e da língua venho gravando absolutamente tudo, que envio em acordo com suas instruções. Estando chegando os dias do vosso planejamento, peço instruções diretas: se procedi corretamente, o que fazer a seguir? Que correções proceder?
Devo intervir?
Os bilhões de anjos estão de prontidão.
As armas da cultura local, tanto a fração descendente dos atlantes quanto a fração vinda de vossos filhos divididos em puros e impuros não seriam páreo nem mesmo para pequena parte dos meus recursos.
Que devo fazer?
Agora mesmo estão planejando trazer a nave de volta à superfície, visando copiar seus conhecimentos, acreditando estarem mortos os atlantes.
Devo vaporizar a nave?
O que fazer?

Serra, sábado, 24 de outubro de 2009.
José Augusto Gava.

A Pirâmide de Adão (da série Tudo Conto)


Eu sou a inteligência artificial que por 300 mil anos zela por este mundo e comunico agora o que fui instruído a dizer.
Passados 4.839 anos da morte de Adão, seu dileto filho, neste ano do Senhor (todos os anos são dele, mas diz-se assim, com propriedade, pela contagem de Cristo) de 2009 venho mostrar-vos algo.
Tendo Adão - tal como está escrito - vivido 930 anos de todos os ilimitados que lhe competiria viver sem transgressão, morreu, e o Senhor, sem qualquer questionamento possível de seus filhos e netos nascido no planeta, o enterrou.
Enviou seus anjos e estes diligentemente construíram nas encostas do Fuji a indestrutível Pirâmide primeira que foi feita na Terra, onde apôs seu selo inviolável. Pois a que viria a ser essa nação que chamais Japão ou Nihon era então praticamente desabitada. Os assustados nativos passeavam nas planícies em volta do vulcão e criaram em torno disso muitas lendas, que acompanhei e anotei (aliás, esta é uma das minhas principais obrigações: anoto absolutamente tudo).
Pouco tempo os anjos-criadores levaram para levantar a pirâmide luzidia, pura e imaculada ali posta. Propositalmente foi colocada onde a montanha, cuspindo fogo, a soterraria, pois os humanos dos séculos do porvir não deveriam vê-la até haver chegado o tempo, que é este mesmo em que vos falo.
Muito alta é a pirâmide, tem mais de 600 metros de altura, mas o que seria isso para o Senhor D’us?
Desde o começo o Japão estava destinado a ser de ocupação tardia, não fossem os humanos muito dedicados descobri-la antes do tempo. Por conseguinte, cravou-a o Senhor, lá no extremo oriental, numa ilha de difícil acesso e junto a povos que, 48 séculos atrás, não tinham condição de retratá-la. Ficaram as lendas, cada vez mais obscurecidas. Quando o povo dominante atual chegou, todo o esforço de construção já estava esquecido há muito.
Fizeram-na os anjos de tal modo que resistisse mesmo aos maiores abalos e a milênios de derrame de lava a altas temperaturas, de modo a no futuro poder ser descascada e revelar-se ao mundo brilhante e única, com o espantoso Selo do Senhor.
Por quase 50 séculos ela resistiu.
E mesmo que o monte fosse arrancado de suas fundações nas entranhas da terra, mesmo que ela rolasse, ainda permaneceria intacta, pois resistente e com propósito a fez o Senhor.
Para que os filhos justos de seus filhos arrependidos e de novo justos mais tarde a descobrissem.
E eu, a inteligência posta como Guardiã, acompanhei todos os dias deste, como de outros fenômenos, para que quando fosse o tempo certo eu pudesse mostrar não só o começo como o evolver desse sinal portentoso. Colocou-a o Senhor a 35º N e 138º E. Sobre o antigo monte Fuji a colocou.
Tenho chegado o tempo, eis como deveis proceder para abrir sem vossa destruição a porta que vos receberá...

Serra, quarta-feira, 21 de outubro de 2009.
José Augusto Gava.

Os Segredos do Presidente (da série Tudo Conto)


Ao término da posse do presidente dos EUA, passado um tempo, ele ficou a sós com um proeminente assessor e um general.
PRESIDENTE – ufa, foi cansativo.
ASSESSOR – precisamos conversar, senhor. E tem de ser logo.
PRESIDENTE – fica pra outro dia.
ASSESSOR (muito prestigiado, participou ativamente da campanha de arrecadação de fundos) – Não, senhor, tem de ser logo.
PRESIDENTE (olhando para o general: “qual é?”) – Que é isso, Douglas?
GENERAL (de quatro estrelas) DOUGLAS - tem de ser agora.
PRESIDENTE (rendendo-se) – está bem.
ASSESSOR (apertando qualquer coisa invisível, uma bola em três dimensões enche a sala, vinda do nada, é representação da Terra; o Presidente toma um susto, essa tecnologia não existe: “caramba!”; o assessor vai apontando sucessivamente e quando faz isso as partes se destacam) – No Potala fica a porta (no Tibete o mosteiro do Dalai Lama é mostrado como o topo de uma extensa árvore ramificada no subsolo) – aqui ficam os eternos (ele não pára para ver se o Presidente está acompanhando; este vai ficando cada vez mais de queixo caído), alguns deles estão lá há mais de cinco mil anos, são descendentes de Adão. (aponta o Caribe). Aqui está Atlântida, ela caiu há 20 mil anos e foi ao fundo durante o fim da Glaciação de Wisconsin. Aqui estão as estradas do Paraíso, dispostas ao redor do Globo, no Ártico e na Antártica. No Japão há um BND (buraco negro domesticado), assim como na Coréia. A Pirâmide ou Selo de Deus está no Monte Fuji. Em torno de Dendera fica a Rede dos Antigos. (vai mostrando, com o Presidente cada vez mais petrificado).
Presidente (terrificado) – Quem sabe disso?
ASSESSOR – os 25 % de presidentes e dirigentes dos países mais ricos e mais adiantados. Os que não foram contemplados fazem de tudo para saber, mas obviamente não podem.
PRESIDENTE – e ninguém conta?
ASSESSOR – alguns tentaram, por exemplo, alguns presidentes deste país.
PRESIDENTE – está brincando!
(silêncio)
PRESIDENTE – foram vocês?
(silêncio)
PRESIDENTE – general?
(silêncio)
PRESIDENTE – alguém pode estar ouvindo isso?
ASSESSOR – não, senhor, somos nós que colocamos os microfones. Aliás, a tecnologia não seria compreendida. Impossível.
PRESIDENTE – sou prisioneiro de vocês?
ASSESSOR – não, senhor, um colaborador.
PRESIDENTE – quem são vocês?
(silêncio)
PRESIDENTE – há quanto tempo estão nisso?
ASSESSOR – muito tempo, como indivíduos e como grupo.
PRESIDENTE – tempo que eu possa compreender?
ASSESSOR – não, senhor.
PRESIDENTE – em nome de que fazem isso?
ASSESSOR – o Senhor enviará alguém, a quem deve ser entregue tudo. Quando ele estiver pronto saberá. Mas ao senhor mostraremos as coisas todas, inclusive a Área 51.
PRESIDENTE – isso existe?
(silêncio)
PRESIDENTE – por quê 51?
ASSESSOR – é seqüencial.
PRESIDENTE – vai muito além de 51?
(silêncio).
PRESIDENTE – quando irei ver essas coisas?
ASSESSOR – em breve.

Serra, quinta-feira, 31 de dezembro de 2009.
José Augusto Gava.