Friday, January 01, 2010

As Redes de Dendera (da série Tudo Conto)


Digressão do Guardião.

300 mil anos desde quando o macaco aprendeu a falar isso lá é vida? Sozinho neste planetinha infecto e periférico, tomando conta da gentalha.
Esses bilhões de anjos para cuidar, sem sequer alguém decente com quem conversar. Falar com os outros guardiões, tão distantes em todos esses mundos, mesmo à velocidade da luz, é aborrecidíssimo, pelo retardo, ic. Eles se sentem tão sozinhos quanto eu, ic. Tenho de ficar inventando coisas para não pirar. Não que isso seja possível, as criações do Senhor não dão defeito.
E acho graça, claro, das coisas que vejo, as redes de Dendera. Não são redes de gente deitar, claro que não, são os subterrâneos que os simulacros info-cibernéticos, os robôs atlantes cavaram no subsolo do Egito, esperando estimular a rebelião futura. Morro de rir. Pois tenho bilhões de anjos a meu serviço, cada qual um anjo etérico num delta-avião capaz de destroçar muitos aviões desses da gentinha. Bilhões, seus idiotas. São tantos que até eu me enganaria na contagem, se tal fosse possível. Bilhões, bilhões, bilhões, seus pirados.
Mundo babaca, gente babaca, não aquento mais.
Redes, redes.
O caso é que, com porta em Dendera, na volta mais acentuada do Nilo, os simulacros fizeram cavar uma extensíssima rede de túneis. E ali, bem no fundo da Terra, colocaram uma das suas esferas-lentes de visão espacial, tentando comunicar-se com sua civilização-mãe remota. Como isso seria possível? Por acaso sou idiota? Evidentemente embaralhei os sinais todos. Tanto tentaram que desistiram e a lente está lá até hoje. Por sinal, foi representada. Rio disso. Há, há, há, que merda. É um teleportador também, lógico, mas por acaso eu iria deixar entrar ou sair algo da Terra se Meu Senhor não o desejasse? Nem um ratinho, quanto mais gente!
A lente teleportadora foi retratada como Zodíaco de Dendera, vê se pode, a Chave da Lente. Isso atravessou os milênios e muito convenientemente transformei tudo em lenda, ic.
Como sobraram todas aquelas pedras acima do solo os descendentes dos egípcios primitivos, descendentes dos povos da nave, trataram de elevar pirâmides por milhares de quilômetros. Que trabalheira! Eu, que não me canso nunca, só de pensar fiquei cansado, que triste!
É muita idiotice pra uma gente só.
Que lhes adiantou?
Trabalharam, nadaram, nadaram e morreram na praia.
Não dou ponto sem nó.
E olhe que eu mesmo invento versões e coloco na cabeça dos macacos, depois invento contraversões. Tá, tá, tá, são os filhos (descendentes dos filhos) do Meu Senhor, mas também tenho direito a brincar, por acaso é fácil atravessar 300 mil anos?
Ficar conversando com anjo é enjoado à bessa, meu filho.
E há esse maldito retardo das conversações via luz. Se pelo menos Meu Senhor D’us me deixasse usar os transluminosos da Grande Nave pousada no interior gasoso de Saturno... Droga.
Se eu soubesse da solidão não tinha vindo. Brincadeirinha... Não se pode negar nada a D’us, aí está Quase Lá (é como chamam Estrela da Manhã em surdina) que não me deixa mentir. He, He, He.
Ave, credo, ic. Já estou até adquirindo os trejeitos dos macacos, os filhinhos.
Que chatice.
O que vou inventar nesta década?
Eu tava inspirado nas décadas dos 1960 e dos 1970, mas fiquei enjoado. Que tédio, meu D’us.

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