Monday, April 22, 2013

A Parentada que Veio nos Visitar (da série Tudo Conto)


                               Minha mulher é chegada nisso de assombração, de receber os espíritos. Que maluquice! Eu não falava nada. Tá maluco? Eu é que teria de conviver com ela buzinando nos meus ouvidos dia após dia, mês após mês. Tá doido? Nunquinha mesmo. Fingia aceitar, fingia até acreditar. Ela continuava com as demências dela e eu continuava a ir ao bar beber com a rapaziada. Rir dela, contar, pra quê? Mais ou menos todo mundo passava pela mesma situação, menos o Aderaldo, que acreditava nessa porcaria.
                               Um dia foram uns parentes nos visitar, irmã e prima da minha mulher com os respectivos maridos. Tiraram férias juntas e vieram todos. Até que era rapaziada boa, saíamos pro bar do Zezão e ficávamos bebendo lá e contando lorota toda tarde. Eles também fingiam que acreditavam. Ou acreditavam mesmo. Olhei o Namir explicar que era assim e assado, o Jorge olhava de banda, eu concordava, é isso mesmo.
                               As três mulheres conspiravam em casa.
                               Já li que tem um diagrama chinês que significa “mulher”, mas se juntar três deles significa “fofoca”, coisa assim, quero buscar na Internet, mas fazer como, por onde começar? Se eu achasse aquele livro de novo, seria bom, ia mostrar pra rapaziada, eles concordam, é a pura verdade mesmo.
                               As três conversavam.
                                Montaram tudo e foram aos poucos contando respectivamente para cada um de nós, até que ficou acertado fazer uma “sessão espírita”, com aquela boiolagem de dar as mãos, é ridículo mesmo esse negócio de pegar em mão de homem, chega a dar ziquizira, incomoda, sei lá, é uma coisa ruim. Pegar em mão de mulher é natural, mas em mão de homem é ruim. Já perguntei pra mais de 50, ninguém gosta.
                               Ficamos lá, aquela palhaçada, as luzes apagadas, as mãos dadas um homem uma mulher, a rezação, “vem, vem”, fulano e beltrano. Aí “incorporava” e uma das mulheres começava a falar esquisito, eu por dentro rindo, que dementes. “É você, fulano?” E a voz cavernosa respondia isso e aquilo. É lógico, sempre sabemos uma coisa ou outra que nosso inconsciente pega no ar, os demais desconhecem e das muitas coisas que se diz uma ou outra, só por destoar, já parece coisa do outro mundo. Se em nossos tempos esclarecidos é assim, quanto mais lá para trás, de onde vêm as lendas. Os cientistas bem que poderiam explicar, se quisessem perder tempo com isso. Acho até que já explicaram, li por aí em livros e revistas. Se eles se dedicassem desmascarariam tudo isso, eu pensava. Mas, também, para onde iria a inofensiva diversão do povo?
                               De forma que a coisa caminha nos desvãos das permissões.
                               Eu ali raciocinando assim, enquanto em volta ia o arranjo, até que, juro por Deus, apareceu mesmo uma sombra, uma luz tremeluzente, um fantasma, se você quiser chamar assim, não tenho explicação, bem ali na minha frente. E não era só eu que tava vendo, não, era todo mundo. Depois apareceu mais um tio da Magda, meu avô Benedito, uma vizinha que tinha batido as botas, foi aparecendo um depois do outro. Como explicar algo assim? Estou pasmado até hoje. É claro que hoje em dia eu acredito. Como não acreditar? A gente não fala para ninguém, não senhor, ficamos de bico fechado.
                               Até porque essa parentada que veio nos visitar, mais de trinta (fora os outros que foram embora com a prima e a irmã), ainda está lá em casa. Abre as gavetas, mexe na geladeira, faz buracos no quintal, virou uma merda só, vou te dizer, um cocô de vida. Eles dormem pendurados no teto, encostados nas paredes. Se vem alguém visitar não vê nada e as crianças perguntam pelos barulhos que ouvem. A Magda e eu disfarçamos. Ela foi procurar o padre, mas ele não quer vir exorcizar, diz que é complicado, tá no filme, parece que é mesmo, além do que exorcismo é só quando há possessão e neste caso não há, eles não incorporam em ninguém, pelo menos essa delicadeza. Temos uns pega-pra-capar tremendos com eles, verdadeiros bate-bocas. O pessoal de fora pensa que a Magda e eu estamos brigando, não é nada disso. Ela chegou até a ir a um terreiro, veio uma mãe de santo, mas foi inútil, eles não vão embora, tá uma titica.
                               Já trouxe água benta que catei na Igreja de Santo Antônio, esparramei na casa, mas deu em nada, a parentada só ri. Droga, droga, droga. Parente quando encarna é uma porcaria. A trabalheira que dá para consertar as coisas não tá no gibi. Já saímos de férias seis anos seguidos para os lugares mais estranhos, mas eles vão junto.
                               Tô te falando, cara, não chame os parentes.
                               

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