Os cientistas estavam preocupados.
Tudo indicava estar a temperatura subindo
muito, vários graus, com o derretimento das geleiras e exposição de largas
porções da Tiar.
A glaciação, iniciada mais de 90 milans
antes da queda da Grande Nave, dava visíveis mostras de estar recuando. Os
mares subiam rapidamente, mais de seis poles por ano. As previsões eram de
choveria fortemente mais 600 ans além dos 400 até então. Já sabíamos que com um
milan de chuvas os mares fatalmente subiriam mais de seis mil poles. Tínhamos
conhecimento de que porções enormes das costas seriam inundadas, culturas
teriam de ser movidas para dentro dos continentes muitas dezenas de kum, agora
mesmo e sem qualquer garantia, mas avançar na visão é muito mais terrível que ter
apenas compreensão teórica. Quanto trabalho perdido, tantas cidades
desaparecidas, tantas vidas talvez, se não se socorresse a tempo! Muitos não
querem sair, preferem morrer.
As máquinas estão a postos em todo o mundo,
trabalhando furiosamente. Muito já foi feito em quatro segures, mas muito mais
terá de ser realizado nos seis seguintes. Os cálculos não deixam margem à
dúvida.
A Grande Nave, estacionada sobre os
rochedos marinhos no Trópico Superior, viu a água subindo, com sua enorme massa
cobrindo porções cada vez maiores das bordas, fazendo recuar em círculos
concêntricos toda gente das cidades costeiras. Embora grande, mais de 400 kuns
de diâmetro, fatalmente será coberta pelas águas, pois seu topo se situará, ao
final do processo, muitos nits abaixo de onde presumidamente ficará a lâmina
d’água oceânica. E quando toda aquela água cobrir a Grande Nave Atlante o peso
extraordinário acima dela pressionará os picos abaixo dela, esmagando-os e
fazendo-a rolar para dentro do oceano.
Os senhores continuavam adormecidos, mesmo
após nove milans. Inquestionavelmente mergulharão nas profundezas e nada se
poderá fazer. Os robôs, por si sós, sem auxílio de seus senhores, não poderão
tomar providências porque não tem tanta autonomia: no máximo podem e poderão,
como fizeram, desenvolver os nativos de toda parte, cedendo-lhes parte da
avançada tecnociência na expectativa de um dia poderem cobrar auxílio. Já
viveram por nove milans depois da derrubada da Grande Nave e continuarão
operando nos bastidores por 20 ou 30 milans se necessário for até a humanidade
ter adquirido maturidade para proceder ao resgate da Grande Nave.
De pronto, estamos levando a cultura
Atlante segundo a Rosa dos Ventos para o norte, o sul, o leste e o oeste desde
dois segur atrás. O grande continente localizado a oeste parece prometedor, com
as grandes montanhas na extremidade oeste podendo comportar muitos
esconderijos. Mesmo se as vagas gigantescas, geradas pelo calor muito maior,
provocarem tufões e furacões, destruindo assim milhares de cidades, algo se
poderá fazer, preservando parte de nossa cultura central nas altas montanhas do
grande continente do leste ou na terra central ou nas montanhas do sul.
Os barcos, ainda que reforçados, não
suportarão o embate na hora derradeira e pouco se poderá levar da Grande Nave,
até porque os robôs não deixarão. Mergulhará mesmo tudo no fundo do mar. Meia
dúzia de cidades será criada ao fim das chuvas, depois do dilúvio de águas,
onde os navios pararem, o mais alto possível, espero. Espalharemos ao máximo. Os
robôs nos negarão sua tecnociência e esta de que tomamos conhecimento
fatalmente declinará nas mãos de nossos descendentes, de modo que devemos
deixar sinais, conforme os planos. Só com o que sabemos é impossível preservar
a cultura.
O poder que derrubou a Grande Nave não
deixará os senhores acordarem até estar apaziguado, conforme nos foi dito. As
esperanças mínguam, senhores e senhoras. Em algumas centenas de ans a Grande
Nave mergulhará na escuridão. Talvez o poder superior tenha precipitado o fim
dos gelos visando isso, não sabemos. Seguramente vamos irradiar, mas sem a
tutela dos robôs é inevitável o decaimento. Sombras persistirão, sem dúvida,
mas serão só sombras dessa cultura de 90 segures. Por mais que deixemos, por
mais cuidadosos que sejamos, 200 ou 300 segures são demais. Eles dizem que mais
provavelmente bastará metade disso, 100 ou 150 segures, mas não sejamos
otimistas, todos estaremos mortos, não haverá qualquer lembrança de nós. Nossa
última esperança reside nas grandes cavernas e nas altas montanhas, aonde as
águas não chegarão, antes de produzirem o novo desenho das bordas continentais.
Por mais que choremos, esse é o cenário.
Sinto lhes dizer.
Vale lembrar o que significaram esses 90
segur desde a queda.
O quanto nosso mundo evoluiu, desde quando
não passávamos de gente abrutalhada lavrando armas de pedra.
E pensar que o peso da água, quando se der
o desequilíbrio entre a massa acima da Grande Nave e sustentação abaixo, fará
tudo entrar em colapso em questão de daas, raaras, talvez. Um amanhecer de
Sala, um anoitecer e será o fim. É muito triste, senhoras e senhores, é muito
triste. Ver nosso mundo regredir e mergulhar novamente na escuridão, é muito
triste. Contudo, não temos o direito de chorar, devemos levantar nossas cabeças
e prosseguir, tal como nos ensinaram os robôs, na esperança de que um dia o
grande poder esteja pacificado e a Grande Nave possa ser reerguida. O anel de
fogo do grande poder não permitirá o despertar dos senhores, eles continuarão
congelados e dormindo por longos milans. São coisas grandes demais para nos
preocuparmos. E, de qualquer modo, nos dizem os robôs, a Nave Mundo está lá
fora vigilante.
Quanto aos robôs, alguns irão mergulhar no
oceano junto com os senhores, outros acompanharão a humanidade, duradouros como
são, caminhando entre a gente de volta à ignorância. Homens eternos, eles
parecerão.
O que há mais a dizer nesta reunião nossa?
Para poupar o povo das dores maiores do
conhecimento pouco lhes podemos dizer. Espero que os senhores e as senhoras
sejam felizes em suas missões. Encontrem boas cavernas, embalem os objetos com
todo cuidado e com o máximo de proteção, não sabemos quantos milans eles
deverão enfrentar. Vedem-nos completamente, enterrem-nos bem fundo.
Confiança e fé no reconhecimento, no
renascimento, é o que peço.
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