Wednesday, July 03, 2013

A Cigana Leu o meu Destino (da 3ª série de contos, Se Precisar Conto Outra Vez)


Era uma cigana diferente, veio com uns gatget, uns aparelhinhos muito dos esquisitos, fiquei na minha. Perguntou se eu queria ver meu destino, eu disse que não. Ela disse que era experimental; de graça até injeção na testa, deixei. Ela se sentou à cadeira, espalhou tudo aquilo na mesa, pegou minha mão direita (por quê não a esquerda?), instalou toda aquela porcaria ligada a um notebook do lado, com vários programas de matemática, estatística e probabilidades e sei lá mais o quê, fiquei só assuntando.
Eu tinha 17 anos, quando a gente não sabe o que será da vida.
Ela fez perguntas, respondi, disse que era filho de operários, ela pegou a lista de presidentes do Brasil, só tinha o Lulambão vendido para os burgueses, a chance era pequena de eu ser presidente. E foi dizendo que se eu não chegasse pelo menos ao terceiro grau, universitário, as chances de eu conseguir cargo de chefia no Brasil eram quase nulas, havia uma reserva de mercado. E não tendo curso superior tinha tantos porcento de probabilidade de não conseguir ganhar mais que X reais. A chance de eu viajar sem ter um salário elevado na morcegagem estatal ou ter uma empresa era pequena. Se fosse empresário (sem curso superior eu poderia ser, inclusive político, pois muitos eram analfabetos de pai e mãe, inclusive Lulambão, que nasceu analfabeto) teria grandes probabilidades de sonegar “de montão” (foi ela que disse, assim mesmo, acho que ela não gostava de empresários).
Sem curso superior, ganhando pouco, o mais certo era eu ir para um bairro da periferia cheio de traficantes com muitas oportunidades de cair no tráfico, ser baleado, ser preso com ou sem julgamento.
As chances de pegar mulher bonita e gostosa eram mínimas (ela não falou assim, disse “mulher elegante”). Sem dinheiro, como visitar o estrangeiro? Se a algum lugar eu chegasse seria no máximo ao Paraguai. Como envelhecer além dos 80 ou 90 anos? Sem remédios, sem tratamento dentário, sem cuidar do corpo e da mente certamente encontraria o alemão, Alzheimer ou o outro da tremedeira, Parkinson, que acho que esse é inglês, americano, sei lá.
E falou e falou e falou.
Acreditei.
Não eram só as maquininhas, nem só a positividade e autoconfiança dela, era a confiança que a gente tem nas previsões. Não que aquilo fosse ser verdadeiro, tanto que não foi; foi mais que acreditei, tive medo de cair na linha do meu destino, porisso fiz o esforço sobre-humano de estar longe de todos aqueles lugares de diminuição, fiz tudo ao contrário das piores probabilidades, juntei-me aos “bons”, pelo menos eles se jactam de sua bondade. Fiquei longe do que seria a minha turma: fiz curso superior e até mais, como empresário roubei dos governos, financiei deputados ladrões e depois fui eu mesmo roubar ainda mais.
Hoje patrocino os estudos da filha da cigana, que agora tem programas Cigana 3.0.

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