Tuesday, July 30, 2013

Deixe de Ser Porco (da série Se Precisar Conto Outra Vez)


Miguelina havia inventado o programáquina, uma espécie de bastão de alta tecnociência cuja frase de efeito era essa (“deixe de ser porco!). Um choque de determinada amperagem era enviado e produzia mudanças na eletroquímica cerebral, instalando uma vontade irresistível de proceder corretamente. Não havia qualquer outra mudança, nem na memória nem na inteligência nem, todavia, nas capacidades inatas e desenvolvidas.
Meramente a pessoa sentia uma ânsia inacreditável de fazer tudo certo e dali para frente não titubeava, não hesitava, não vacilava.
Não esquecia o passado, só não queria mais aquilo no futuro.
O problema era esse passado. Se a pessoa era moderadamente partidária dos caminhos errados, consertada moralmente ela não sentia tanta diferença, mas se tinha passado por trilhas demoníacas sua conversão súbita deixava ao mesmo tempo o bem-estar novo e a plena consciência do erro. Tal contraste mergulhava por vezes tais criaturas na maior depressão, como foi o caso de vários políticos ladrões do Congresso.
Aí ia a tratamento psicológico ou entrava para um templo evangélico qualquer ou ia para o hospício ou se tornava monge ou eremita.
Começaram a temer o toque do bastão da Miguelina. Quando a viam (mesmo que ela não tivesse intenção nenhuma, pois não queria intervir na vida de ninguém e só o usava depois de conversar muito e A PEDIDO, nem adiantava, a pessoa tinha de assinar um termo garantindo que estava lúcido e tudo) já corriam apavorados. Alguns até arranjaram seguranças. Outros impuseram distância mínima, ordenada pelos juízes.
Quem poderia pensar que a pureza pudesse ser tão odiada?
Aconteceu então que muitos deixaram de ser porcos, sujos, criaturas odientas. Como sempre, era 50/50, uns adoravam o novo estado de ser, mesmo com suas memórias, e outros odiavam, mesmo não tendo feito nada de errado.
Os que ficaram com mal-estar começaram a perseguir Miguelina, que teve de imigrar, sair do Brasil e ir para um lugar onde à liberdade correspondesse a limpeza d’alma. Andou e andou e foi parar num pequeno país Europeu, permanecendo incógnita (nunca mais se teve notícia dela por aqui); o que se sabe é que esse país parou de funcionar como paraíso fiscal, parou de lavar dinheiro sujo e arranjou outras atividades.
A turma daqui que gostava dela continuou devota e aplaudindo-a, mas o governo brasileiro, temeroso do que poderia acontecer se ela tocasse os governantes e os purificasse, pleiteia perante a ONU mandado de extradição, sem qualquer resultado, pois mesmo na ONU existe gente que é devota de uma limpeza geral.


Serra, segunda-feira, 16 de abril de 2012.

José Augusto Gava.

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