Miguelina havia inventado o
programáquina, uma espécie de bastão de alta tecnociência cuja frase de efeito
era essa (“deixe de ser porco!). Um choque de determinada amperagem era enviado
e produzia mudanças na eletroquímica cerebral, instalando uma vontade
irresistível de proceder corretamente. Não havia qualquer outra mudança, nem na
memória nem na inteligência nem, todavia, nas capacidades inatas e
desenvolvidas.
Meramente a pessoa sentia uma ânsia
inacreditável de fazer tudo certo e dali para frente não titubeava, não
hesitava, não vacilava.
Não esquecia o passado, só não
queria mais aquilo no futuro.
O problema era esse passado. Se a
pessoa era moderadamente partidária dos caminhos errados, consertada moralmente
ela não sentia tanta diferença, mas se tinha passado por trilhas demoníacas sua
conversão súbita deixava ao mesmo tempo o bem-estar novo e a plena consciência
do erro. Tal contraste mergulhava por vezes tais criaturas na maior depressão,
como foi o caso de vários políticos ladrões do Congresso.
Aí ia a tratamento psicológico ou
entrava para um templo evangélico qualquer ou ia para o hospício ou se tornava
monge ou eremita.
Começaram a temer o toque do bastão
da Miguelina. Quando a viam (mesmo que ela não tivesse intenção nenhuma, pois
não queria intervir na vida de ninguém e só o usava depois de conversar muito e
A PEDIDO, nem adiantava, a pessoa tinha de assinar um termo garantindo que
estava lúcido e tudo) já corriam apavorados. Alguns até arranjaram seguranças.
Outros impuseram distância mínima, ordenada pelos juízes.
Quem poderia pensar que a pureza
pudesse ser tão odiada?
Aconteceu então que muitos deixaram
de ser porcos, sujos, criaturas odientas. Como sempre, era 50/50, uns adoravam
o novo estado de ser, mesmo com suas memórias, e outros odiavam, mesmo não
tendo feito nada de errado.
Os que ficaram com mal-estar
começaram a perseguir Miguelina, que teve de imigrar, sair do Brasil e ir para
um lugar onde à liberdade correspondesse a limpeza d’alma. Andou e andou e foi
parar num pequeno país Europeu, permanecendo incógnita (nunca mais se teve
notícia dela por aqui); o que se sabe é que esse país parou de funcionar como
paraíso fiscal, parou de lavar dinheiro sujo e arranjou outras atividades.
A turma daqui que gostava dela continuou
devota e aplaudindo-a, mas o governo brasileiro, temeroso do que poderia
acontecer se ela tocasse os governantes e os purificasse, pleiteia perante a
ONU mandado de extradição, sem qualquer resultado, pois mesmo na ONU existe
gente que é devota de uma limpeza geral.
Serra, segunda-feira, 16 de abril de
2012.
José Augusto Gava.
No comments:
Post a Comment