Thursday, August 01, 2013

Entrando Mudo e Saindo Calado (da série Se Precisar Conto Outra Vez)


Há muitos e muitos anos Walfredo lia as mentes dos outros, porém não contava a ninguém que tinha esse “dom”, se pudéssemos dizer assim, pois era infernal ouvir as pessoas pensando. Como contar que era capaz disso? Tornar-se-ia objeto de repulsa e perseguição, mesmo se garantisse nunca exercer sua capacidade. Que motivos teriam para acreditar, se as pessoas mentem tanto? Como as pessoas saberiam se naquele momento mesmo ele não estaria descobrindo seus segredos mais recônditos, dos que não se conta nem ao padre ou ao psiquiatra?
Ele nunca disse a ninguém, nem para o pai, nem para a mãe, os irmãos e irmãs, ninguém mesmo, nem parente nem amigo.
Nesse dia em especial foi ao supermercado e abriu a mente.

O guarda, o vigilante estava na porta.
[Não sei como vou dar rolê na mulher, tenho de pegar a gatinha da feira, vou dizer que tenho trabalho extra de leão]

O gerente estava atrás do balcão à esquerda da entrada.
[A Nilda não tá querendo nada com o trabalho, segunda vez que chega atrasada esta semana]

A Nilda estava no caixa.
[O jeito vai ser abrir as pernas pro corno do gerente. Por que não vai transar com a esposa, que por falta está corneando ele?]

Um sujeito ia entrando do lado direito, onde ficava o balcão da Calo, venda de celulares.
[Não sei se o Manoel e a esposa irão ao churrasco, em todo caso vou comprar umas 200 latinhas, se eles forem tá pra nós]

[Porra, é o Gael, tô devendo aquela grana pra ele, vou cortar volta, vem, Maria (puxa a esposa)]

[Rapaz, que sorte, é o Manel, acho que ele não me viu]

[Puta que o pariu, ele me viu, vou correr mais]
- Vem, Maria.
- Manel, Maria, esperem aí.

Encontraram-se, o Manoel todo sem graça.
- Vai ter um churrasco sábado, vocês vão?
MANOEL (aliviado) – vamos, claro.

O açougueiro do supermercado.
[Esse bosta tá me enchendo o saco, ele pega a senha, sai pra passear e depois quer ser atendido, o povo vai ficar com raiva]

[O titica do açougueiro está me evitando, tá virando a cara]

O rapaz mudo das verduras.
[Esses Zé Manés acham que só porque não posso falar, só porque sou mudo ficam gritando no meu ouvido]

Uma hora e meia depois ele passou finalmente pelo caixa.


Serra, sexta-feira, 13 de abril de 2012.

José Augusto Gava.

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