Thursday, August 15, 2013

Inteligência Artificial (da série Se Precisar Conto Outra Vez)


                       Não poderia haver inteligência mais artificial do que a de Carlos Roberto. Aliás, já começou do pai e da mãe ao dar nome composto: poderia ser só Carlos ou só Roberto, mas não, tiveram de dar nome duplo ao filho único, do qual, aliás, me tornei amigo, os opostos se atraem, essas coisas, sou pesquisador.
Não se trata de afetação, ele era erudito, vivia do que outros tinham pensado. Lia muito, muito mais que eu e tinha uma memória prodigiosa. Não se deve desprezar gente assim, de modo nenhum, porque ele sabia encaixar as frases direitinho nos diversos contextos. E aquelas frases, postas na hora e no lugar certo (imagine só a vasta rede neural dele, a ponto de poder obter tais equilíbrios) traziam ganhos para nós, que ali víamos oportunidade de dar saltos compreensivos.
Não pense que os covardes, os maliciosos, os traidores não têm valor de sobrevivência, mais que biológico, psicológico, pois têm, naturalmente que têm – ou não teriam sobrevivido, os seus doadores não teriam passado os genes adiante. Tenho um amigo que é totalmente paranoico, gosto muito dele. Vai dizer que a paranoia não tem valor de sobrevivência, não o torna apto e mais apto? Pois torna, dado ele desconfiar de tudo e de todos. Claro que no meio de todos há metade da qual não há motivo para desconfiar, mas como saber quem pertence a essa metade? Então, todos que estão vivos, tanto os do lado bom do dicionário quanto os do lado ruim sobreviveram porque são mais aptos; mesmo que lhes falte decência, os ruins têm artifícios, sobrevivem na descendência que leva adiante as indecências. Só que quem leva os vagões adiante é a locomotiva, os que fazem o bem.
Carlos Roberto não tinha a inteligência natural, mas tinha essa outra, tão formidável. Devemos valorizar a todos. Devemos respeitar todos e cada um.
E, veja bem, Carlos Roberto acreditava nisso, em ser erudito, até apelava ao eruditismo, que é a superafirmação do erudito. Que mal fazia? Nenhum, pelo contrário, ajudava. Sempre tinha uma palavra de consolo (com base em citações), sempre ajudava a lembrar de algo, memória verdadeiramente prodigiosa. Encaixes precisos nas posições adequadas, super-adequadas, tudo muito limpo e ligeiro, tudo verdadeiro e preciso: ele podia até citar a página do livro, o autor, quem tinha falado, etc.
Os intelectuais, que pensam que pensam, pensaram que Carlos Roberto não tinha significado, mas tinha; zombavam dele e mais eu me aproximava, embora ele não tivesse um grama de inventividade, não juntava duas figuras numa terceira, que é a marca da inteligência, significando ir de todas as inumeráveis folhas de volta à raiz e à semente, dependendo das potências. Necas de pitibiribas, nadinha mesmo, mas era super-gente fina, um primor de pessoa, uma joia humana, sempre positivo, sempre para cima, apreciador dos talentos alheios, ele era como um jardineiro que não tinha feito as plantas, mas cuidava delas com zelo, não tinha plantado, mas regava com apuro e constantemente. Lia, apreciava os outros, dava crédito, ao contrário de tanta gente que conheço que rouba as ideias dos outros.
Um nobre.
Contudo, aconteceu um desastre, o alemão o pegou, o alemão o atropelou, ele adoeceu com Alzheimer e literalmente nunca mais foi o mesmo, com aqueles grandes buracos na mente dele e em nossas vidas, todos que gostavam dele, inclusive esposa e filhos, todos os seus verdadeiros amigos.

Aos 42 anos ele começou a desaparecer de todas as vidas, ficando somente a casca vazia; e todos nós, que o admirávamos, ficamos só com a casa vazia, sem nada dentro, nenhuma daquelas belas figuras que ele possuía.

Ô ALEMÃO DANADO

(imagens relativas ao cérebro e ao Alzheimer)

                        E é isso que é o GCR, Grupo Carlos Roberto, os amigos e parentes se juntaram para sair dando palestras tentando sensibilizar.
                        O Carlos Roberto não tinha a inteligência natural, mas tinha essa inteligência artificial que tanto bem nos fazia e agora acho que Deus o tirou de nós para nos dar uma lição.
Obrigado.


Serra, domingo, 25 de março de 2012.
José Augusto Gava.

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