Saturday, August 31, 2013

A Morte da Esperança (da série Ah Se Eu Te Conto)

A Morte da Esperança

Bem que dizem que a “esperança é a última que morre”.
Dona Esperança faleceu ontem aos 105 anos, depois de todos os amigos e amigas, do esposo, de todos os professores e professoras que começaram com ela.
Só sobrou ela.
E agora morreu a Esperança.
A dona Esperança dizia:
·         pode acreditar, gente, o Brasil vai melhorar;
·         o SUS vai ser tão bom quando o atendimento particular e até melhor, melhor que no estrangeiro;
·         as escolas vão ensinar coisas úteis;
·         os políticos vão pensar verdadeiramente no povo brasileiro;
·         a Defesa Civil vai se preocupar com os acidentes ANTES DELES ACONTECEREM; ela levantava o dedinho em riste;
·         as queimadas e os desmatamentos da Amazônia vão reduzir substancialmente até cessar;
·         o Imposto sobre as Grandes Fortunas finalmente vai vigorar;
·         os governos vão resolver a questão do lixo, dos depósitos a céu aberto, da contaminação dos lençóis freáticos;
·         o PT vai se tornar um partido diferenciado dos demais, vai se tornar motivo de orgulho nacional;
·         os americanos vão consumir menos e se preocupar verdadeiramente com a Natureza;
·         a dignidade vai voltar a imperar, a honestidade vai se impor como valor;
·         e muitas mais, uma lista interminável.
Ela acreditava, a pobrezinha, acreditava mesmo, do fundo do coração. E como era velhinha, tendo vivido em outros tempos, o pessoal não queria contrariá-la, ficava calado, olhando embevecido, sonhando acordado, sem crer, mas querendo acreditar para ver se não desabava diante da realidade, porisso muita gente ia visitá-la. Ela pensava, tadinha, que era porque criam nela, pode isso? Foi até entrevistada várias vezes pela Rede Lobo, Rede DST, Rede Acordo. Ela mostrava pras visitas, não sabia que todos iam porque ela era uma raridade no Brasil. Era como a Velhinha de Taubaté, do Luís Fernando Veríssimo, verdadeiríssimo. Elas até se correspondiam, mas a Velhinha achava-a muito inocente.
A dona Esperança vivia entusiasmada, alegre mesmo, por achar que estava modificando o mundo. Se ela desconfiava? Qual o quê! Nunca, nunquinha mesmo, ela via tudo cor de rosa, não só por usar óculos cor de rosa, mais pelo espírito de maravilhamento mesmo. Isso contaminava.
Que falta vamos sentir da dona Esperança. Agora que a Esperança morreu vamos botar pra quebrar!
Serra, terça-feira, 09 de julho de 2013.
José Augusto Gava.

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