A Rosa era conhecida como Rosinha.
E ela “tinha uns terrenos” no morro.
Coisa pouca, no asfalto mal daria para uma
casa grande, mas no morro era outra coisa. Ela decidiu fazer uns apertamentos
de três andares, tudo montado uns nos outros, lajota aparente, sem pintura para
ficar mais barato, mas pelo menos ficava “perto de tudo”, como dizem as
imobiliárias e ela aproveitou para propagandear. Padaria perto, supermercado
perto, bancos perto, tudo perto; tá certo que tinha de subir aquela escadona,
uma escada imensa que quase chegava ao Céu, era que nem aquela que Jacó/Israel
subiu disputando com o anjo. Tinha que suar, mas também quer o quê? Quer
moleza, vai ao Balaio. Quer moleza, toma sopa de minhoca. Cê é favelado,
caboco, tem que quentar.
Bem, ali a Rosinha fez pra mais de 200
apertamentos, a sala já era cozinha, era só estender a mão para abrir a
geladeira da cama mesmo; o quarto tinha beliche e treliche para a criançada, o
fogo era pra transar. As paredes eram fininhas, dava pra ouvir tudo dos
vizinhos, que beleza; em compensação eles ouviam tudo da gente, no que a gente
aproveitava pra falar mal.
A 200 cada um a Rosinha fazia 40 mil na
caluda, que ela não iria declarar imposto de renda, tem tanta gente rica que
não declara, por quê ela?
A qualidade dos imóveis (imóvel por assim
dizer, porque balançava um pouco, mas fazer o quê, balançava todo mundo junto,
já ajudava no molejo do carnaval) não era lá essas coisas, mas a das empresas
do asfalto também não é. Pelo menos o apertamento da Rosinha a gente podia
esperar terminar de pagar nesta vida e um só, porque se fosse das
incorporadoras a gente teria de pagar três ou quatro e comprovar renda. Aqui na
favela, não, quem iria perguntar pela fonte das rendas? Iam dizer que era a
loja de rendas do pé do morro. Quem é o idiota que faz esse tipo de pergunta?
Alguém pergunta como deputado enriqueceu? Eu, hem, sai de mim, chulé. Esquece
eu.
Era a Favela da Rosinha, tudo boa gente,
amizade mesmo, tá sabendo? Dias bacana nós passamos ali.
Era amizade MESMO, um irmão ajudando o
outro.
Só porque um prédio caiu o Corpo dos
Bombeiros embargou. E o Naia? E aqueles de São Paulo? Só porque a Rosinha não
pagou as taxas? Tem tanta gente que não paga! Maldade. E
assim mesmo foi um prédio só e ninguém reclamou. Tá certo, morreu meia dúzia,
mas as famílias levaram numa boa, a Rosinha prometeu fazer outro, ninguém foi
na polícia reclamar, não, tem gente que se mete onde não foi chamada.
Agora, eu falo, porque não consulta a
gente?
Não, os bombeiros vieram e embargaram tudo.
Agora para ir ao serviço tenho de pegar três ônibus para ir e três para voltar
e emprego nisso seis horas por dia. Onde estão meus irmãozinhos?
Tem hora que eu fico revoltado.
Serra, sábado, 24 de março de 2012.
José Augusto Gava.
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