Thursday, August 15, 2013

O Maníaco do Parque (da série Se Precisar Conto Outra Vez)


Monomania, é como se chama isso.
Mania de uma coisa só, uma ideia só, pregada na cabeça.

MONO-MANIA (no Houaiss eletrônico)

substantivo feminino
1        Rubrica: psiquiatria.
forma de loucura em que um único pensamento ou ideia absorve a mente do indivíduo
Ex.: m. da perseguição
2       Derivação: por extensão de sentido.
ideia fixa; obcecação
MONO
radical grego, um só
MANIA
substantivo feminino
1          prática repetitiva; costume esquisito, peculiar; excentricidade
Ex.: m. de deitar-se sempre do lado direito
2         gosto ou preocupação excessiva com
Exs.: m. de esportes
m. de segurança
3         alvo desse gosto ou fixação
Ex.: colecionar figurinhas é m. infantil
4         costume nocivo, prejudicial; vício
Ex.: pegou a m. de mentir
5         Rubrica: psicopatologia.
quadro mórbido caracterizado por euforia desmotivada, sentimento de bem-estar físico ilimitado e hiperatividade, com aumento de excitabilidade e de irritabilidade
6         Rubrica: psicopatologia. Diacronismo: obsoleto.
termo geral us. para a alienação mental (p.ex., monomania) devido à excitação
MANÍACO
adjetivo
1        relativo a mania
Ex.: comportamento m.
adjetivo e substantivo masculino
2       que ou aquele que tem interesse apaixonado e exclusivo ou preocupação exagerada com; que ou aquele que é obcecado por (algo)
3       que ou aquele que tem hábitos extravagantes, bizarros, por vezes ridículos; excêntrico
Exs.: m. por ópera
m. por limpeza
indivíduo m.
4       Rubrica: psicopatologia.
que ou aquele que revela sintomas de mania

                       Pois bem, está bem caracterizado: aquele cara era maníaco. Tinha outro que conheci que só falava de canastra, o jogo de baralho, sabia tudo de canastra, só aquilo, só tinha aquele papo, não falava de outra coisa, o mundo se resumia às canastras. Ele dizia que ganhava todas, mas a pessoa que sabe mais de teoria sobre reatores nucleares não é o melhor construtor, é? Nem sempre o melhor teórico é o melhor prático.
Esse outro era jogador de xadrez, sabia tudo de xadrez, levava o tabuleiro dele para o parque e queria porque queria jogar o tempo todo. Naturalmente ganhava muitas porque só vivia praquilo, dormia em cima do tabuleiro no parque e em casa, de onde, por sinal, a mulher o expulsava, porque ele queria jogar com ela e ela não podia fazer o dever de casa. Ou queria jogar com as crianças e elas não podiam fazer o dever escolar, as tarefas educativas passadas para as horas de folga, dentro do princípio pedagógico da tortura letrada.
Que enjoo que era!
Bom, cada qual tem suas manias, mas em cada caso são várias, eu mesmo tenho várias, mas não fico numa só, não me especializo em uma boçalidade só, sou boçal em várias coisas, todo mundo tem preferências. A Imelda Marcos tinha três mil pares de sapatos, se usasse um por dia demoraria 10 anos para repetir o primeiro. Lady Didi tinha a dela, a Josefina do Napoleão era doidinha com vestidos, tem gente que coleciona tampinhas, outros selos, outros, armas e por aí a fora, cada doido com suas manias, mas não UMA, uma só não é bom, é doideira concentrada, no índice de doideiras de 1 a 100 ficar perto de 100 já é muito agudo, eu, hem?
As pessoas já estavam até evitando o parque porque se entrasse lá, já vinha o sujeito todo pressuroso agarrar seu braço, “vamos uma partidinha?” E você sabe que partida de xadrez, mesmo se mal jogada, jogada com displicência demora muito e ninguém queria perder, ainda mais que ele charlava, contava pra todo mundo. Que é que é isso, minha gente? Perder pra doido também não! E as pessoas se esforçavam, por vezes cada partida durava horas, quando a pessoa sabia alguma coisa. Era o dia inteiro, todos os dias, lá estava ele, expulso pela mulher, domingo a domingo, não faltava um dia.
Certo dia esse cara ficou doente, passou mal.
E não é que as pessoas passaram a ir à casa dele?
Aquele silêncio assombrado no parque, o parque normalmente quase vazio, aquele silêncio enorme, dava para ouvir os grilos andando no chão, sem falar no estridular. As pessoas até voltaram ao parque, mas havia aquele constrangimento, ficaram com remorso de terem se afastado, todo mundo mudo, aquele silêncio altamente constrangedor. Foi um, que informou o endereço ao outro e assim foi passando. Ele era um chato, tá certo, mas um chato que fazia falta. Como disse a Clarice Lispector com outras palavras, “a falta é a arte”, quer dizer, tanto só fazemos arte na falta, porque a arte é o profundo de nós se manifestando, é o parto da dor, da falta, quanto porque a falta nos faz ultrapassar – a presença dele doía, mas a ausência dele doía mais.


Serra, domingo, 01 de abril de 2012.

José Augusto Gava.

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