Não poderia haver inteligência mais artificial do
que a de Carlos Roberto. Aliás, já começou do pai e da mãe ao dar nome
composto: poderia ser só Carlos ou só Roberto, mas não, tiveram de dar nome duplo ao filho único, do
qual, aliás, me tornei amigo, os opostos se atraem, essas coisas, sou
pesquisador.
Não se trata de afetação, ele era erudito,
vivia do que outros tinham pensado. Lia muito, muito mais que eu e tinha uma
memória prodigiosa. Não se deve desprezar gente assim, de modo nenhum, porque
ele sabia encaixar as frases direitinho nos diversos contextos. E aquelas
frases, postas na hora e no lugar certo (imagine só a vasta rede neural dele, a
ponto de poder obter tais equilíbrios) traziam ganhos para nós, que ali víamos
oportunidade de dar saltos compreensivos.
Não pense que os covardes, os maliciosos,
os traidores não têm valor de sobrevivência, mais que biológico, psicológico,
pois têm, naturalmente que têm – ou não teriam sobrevivido, os seus doadores
não teriam passado os genes adiante. Tenho um amigo que é totalmente paranoico,
gosto muito dele. Vai dizer que a paranoia não tem valor de sobrevivência, não
o torna apto e mais apto? Pois torna, dado ele desconfiar de tudo e de todos.
Claro que no meio de todos há metade da qual não há motivo para desconfiar, mas
como saber quem pertence a essa metade? Então, todos que estão vivos, tanto os
do lado bom do dicionário quanto os do lado ruim sobreviveram porque são mais
aptos; mesmo que lhes falte decência, os ruins têm artifícios, sobrevivem na
descendência que leva adiante as indecências. Só que quem leva os vagões
adiante é a locomotiva, os que fazem o bem.
Carlos Roberto não tinha a inteligência
natural, mas tinha essa outra, tão formidável. Devemos valorizar a todos.
Devemos respeitar todos e cada um.
E, veja bem, Carlos Roberto acreditava
nisso, em ser erudito, até apelava ao eruditismo, que é a superafirmação do
erudito. Que mal fazia? Nenhum, pelo contrário, ajudava. Sempre tinha uma
palavra de consolo (com base em citações), sempre ajudava a lembrar de algo,
memória verdadeiramente prodigiosa. Encaixes precisos nas posições adequadas,
super-adequadas, tudo muito limpo e ligeiro, tudo verdadeiro e preciso: ele
podia até citar a página do livro, o autor, quem tinha falado, etc.
Os intelectuais, que pensam que pensam,
pensaram que Carlos Roberto não tinha significado, mas tinha; zombavam dele e
mais eu me aproximava, embora ele não tivesse um grama de inventividade, não
juntava duas figuras numa terceira, que é a marca da inteligência, significando
ir de todas as inumeráveis folhas de volta à raiz e à semente, dependendo das
potências. Necas de pitibiribas, nadinha mesmo, mas era super-gente fina, um
primor de pessoa, uma joia humana, sempre positivo, sempre para cima,
apreciador dos talentos alheios, ele era como um jardineiro que não tinha feito
as plantas, mas cuidava delas com zelo, não tinha plantado, mas regava com apuro
e constantemente. Lia, apreciava os outros, dava crédito, ao contrário de tanta
gente que conheço que rouba as ideias dos outros.
Um nobre.
Contudo, aconteceu um desastre, o alemão o
pegou, o alemão o atropelou, ele adoeceu com Alzheimer e literalmente nunca
mais foi o mesmo, com aqueles grandes buracos na mente dele e em nossas vidas,
todos que gostavam dele, inclusive esposa e filhos, todos os seus verdadeiros
amigos.
Aos 42 anos ele começou a desaparecer de
todas as vidas, ficando somente a casca vazia; e todos nós, que o admirávamos,
ficamos só com a casa vazia, sem nada dentro, nenhuma daquelas belas figuras
que ele possuía.
Ô ALEMÃO DANADO
(imagens relativas ao cérebro e ao Alzheimer)
E é isso que é o GCR, Grupo Carlos Roberto, os
amigos e parentes se juntaram para sair dando palestras
tentando sensibilizar.
O Carlos Roberto não tinha a inteligência natural,
mas tinha essa inteligência artificial que tanto bem nos fazia e agora acho que
Deus o tirou de nós para nos dar uma lição.
Obrigado.
Serra, domingo, 25 de março de 2012.
José Augusto Gava.
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