Thursday, October 31, 2013

As Duas Vias (da série Expresso 222..., Livro 2)


As Duas Vias

 

                        Esse tipo de coisa só acontece na China.

                        Em 1984, nos acordos dos governos da China e do Reino Unido para reincorporação de Hong Kong, falou-se em “um país, dois sistemas”, o que já vinha de Deng Xiaoping, o qual se apoderou do poder depois da morte em 1976 de Mao Zedong (Tsé Tung), chamado de O Grande Timoneiro, ou condutor.

                        Na luta subseqüente com o Bando dos Quatro, a ala moderada saiu vencedora e iniciou as reformas a partir de 1978, no que ficou sinalizado como “economia socialista de mercado” ou “as duas vias”: a China segue socialista, mas adota uma economia de mercado próxima da ocidental, o que proporciona crescimentos seguidos de mais de 10 % ao ano (ao contrário do “milagre brasileiro”, o impulso dura até hoje, mais de duas décadas de explosão econômica).

                        Quem já viu uma coisa dessas?

                        Em toda parte a mínima abertura ao Ocidente levou à queda da sócioeconomia local, mas lá, não. Resistem já há 24 anos. E, ao contrário do que esperavam os analistas apressados, a China não sucumbiu às promessas ocidentais. Com 1,3 bilhão de indivíduos e 9,5 milhões de km2 de área segue lépida e faceira, como um menininho recém-acordado, cheio de energia, numa sociedade que de existência contínua tem uns 3,5 mil anos, fora o período dos reinos para trás, estendendo-se até seis mil anos antes de Cristo.

                        Em vez de seguir com uma perna só, seguem com duas, mantendo o equilíbrio do corpo e da mente.

                        Não é à toa que se dizem o Império do Centro, quer dizer, entre esquerda e direita.

                        Dispõe de uma religião sem Deus, importada da Índia e desenvolvida ali até os limites, o budismo, de Sidarta Gautama, o Buda (563-483 a.C.), o Iluminado. De uma autêntica religião do Estado só compreendida e aplicada lá, o confucionismo, de Kong Fu Tsé, Confúcio (551-479 a.C.). E de uma religião que não apenas não tem Deus, mas está até além dos mundos, uma teoria do equilíbrio, do T, o taoísmo, de Lao Tsé (por volta de 600 a.C.). Embora o Estado tenha renunciado às religiões, é certo que elas continuam impregnando as elites e o povo, e os governempresas, com uma postura característica altamente firmada em bloco. A extrema proteção do Estado do confucionismo misturada com uma prática dos ciclos do taoísmo, tudo junto do empírico balanceamento das personas do budismo. De um lado o budismo dá comedimento às pessoas (indivíduos, famílias, grupos e empresas), do outro o confucionismo estabiliza os ambientes (municípios/cidades, estados, nação e mundo exterior), enquanto o taoísmo pelo centro diz que o T, ou equilíbrio, é permanente. Além disso, dizem que CRISE é caractere composto de PERIGO + OPORTUNIDADE.

                        Planeja para prazos curtos que no Ocidente seriam julgados longos. Não se assusta com os choques, sabendo que a volta dialética (impressa no taoísmo) trará a incorporação e assimilação dos estrangeiros.

                        É sem dúvida alguma um povelite/nação diferente, um país que deve ser estudado.

                        Quando ameaçado pelo Ocidente, em primeiro lugar criou a República em 1911, depois a República Democrática ou Comunista em 1949 e, em 1978, sob nova ameaça, as Duas Vias. Em vez do monolítico sistema soviético, aceitou “abrir-se” ao estrangeiro, quer dizer, absorvê-lo, o que está se completando com as reincorporações de Hong Kong em 1997, de Macau em 1999 e as conversações com Taiwan, envoltas em falsa crise, por via das quais vai aspirando toda a tecnociência ocidental e japonesa, sequer pagando os direitos de patente, simplesmente copiando tudo. E quem ousa falar alguma coisa?

                        O resultado é que vai emergindo uma verdadeira superpotência permanente, diferente da URSS, estável por si mesma, com a qual não se pode mexer (porque quem gostaria de herdar a carga alimentar de 1,3 bilhão de indivíduos?).

                        Que criaturas!

                        Vitória, terça-feira, 07 de maio de 2002.

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