Thursday, October 31, 2013

O Olhar (da série Expresso 222..., Livro 2)


O Olhar

 

                        No Darwin, de Vitória/ES, os professores perguntaram a Gabriel, meu filho de 16 anos que está cursando o integral do terceiro ano do segundo grau, o que era o olhar: que ele discorresse sobre isso.

                        Em profundidade podemos fazê-lo de muitos modos, segundo o modelo que escrevi.

                        Em primeiro lugar teríamos as CONDIÇÕES DO CONHECIMENTO: altos (Magia, Teologia, Filosofia e Ciência) e baixos (Arte, Religião, Ideologia e Técnica) e matemático do emissor e do receptor, conforme sua potência ou inteligência explicativa. A Tecnociência (em maiúsculas conjunto ou família ou grupo de ciências) se abriria em Física/Química, Biologia/p.2, Psicologia/p.3, Informática/p.4, Cosmologia/p.5 e Dialógica/p.6 – na assim chamada Pontescada Tecnocientífica, pelo seu lado alto, e em Engenharia/X1, Medicina/X2, Psiquiatria/X3, Cibernética/X4, Astronomia/X5 e Discursiva/X6, para interpretar as naturezas, de N.0 a N.5, da Físico/Química à Dialógica/p.6. A Psicologia, por outro lado, se abriria em Psicanálise (quem? – figuras), Psico-síntese (para quê? – objetivos ou metas), Economia/Produção (com quê? – objetos ou produtos), Sociologia/Organização (como? – métodos ou ordenamentos) e Geo-História (quando-onde? - espaçotempo ou tempespaço, tempolugar, pontinstante ou geografia-história). Em que tempo nos situamos? Temos um sistema de contagem que começa em 1 d.C., depois de Cristo e nos coloca agoraqui no ano 2002. E quanto ao espaço, onde nos situamos?  Se estivermos no hemisfério norte veremos de um modo (aí podemos dividir o planeta em latitudes, longitudes e altitudes - 360° x 360° x “n” partições, desde o nível histórico do mar, por exemplo a preamar de 1900, num sistema qualquer de medição, digamos o padrão SI, Sistema Internacional de Unidades, em metros ou múltiplos ou submúltiplos). A Economia se abriria em seus setores: agropecuário/extrativista, industrial, comercial, de serviços e bancário, que é o coração ou centro da produção. E ainda podemos falar de quatro teorias sobre as indústrias, fora a Teoria de Campo, ou Teoria de Tudo na Economia, que reúne os elementos pelo centro – o quinto elemento ou modelo. Faz todo sentido saber a que altura ou profundidade se situa o emissor e o receptor. Se um está num nível muito profundo (o central, por exemplo) da teoria industrial na economia, que é uma psicologia, que é uma ciência, que é um dos cinco conhecimentos, e outro é um diletante popular, então a transmissão de conhecimento sofre distorções, perdendo-se muito no trânsito. Ainda poderíamos colocar os avanços relativos da produção, os quatro mundos (primeiro, segundo, terceiro e quarto – na Terra, com até há pouco 217 países, seriam quatro grupos de 55 deles, aproximadamente). É diferente o estado de espírito do observador na Suécia e no Zaire, devido às menores ou maiores pressões socioeconômicas ou de produçãorganização.

                        Em segundo lugar, podemos indagar das CONDIÇÕES DE TRANSMISSÃO ou meio (MacLuhan dizia que “o meio é a mensagem”, ou seja, o a mensagem depende integralmente do meio). Nestes termos deveríamos apelar para a Bandeira Elementar: ar, água, terra/solo e fogo/energia, nos vértices de um losango, como numa bandeira brasileira, tendo no centro a Vida geral e no centro do centro a Vida-racional. Transmite-se através do ar? O mecanismo modulador é eficiente no confronto com o meio-de-transmissão? Qual é o seu rendimento? Num planeta como a Terra fomos preparados pela evolução, situando-nos em nosso específico nicho ecológico humano para proporcionar-nos um certo rendimento; se fôssemos transpostos a ou transportados para Marte a coisa mudaria totalmente de figura, porque o ar local é escasso, ou seja, Marte reteve pouca atmosfera, em virtude de sua pequena massa relativa. Teríamos dificuldade de falar.

                        Em terceiro lugar teríamos as CONDIÇÕES DE CHAVE CST (ou do ESTAR). Chave do TER (CT): matéria, energia e informação. Chave do SER (CS): memória, inteligência e controle ou comunicação. Somos ricos (A), médios-altos (B), pobres (C)ou miseráveis (D) em informação-controle/comunicação, info-controle ou IC? Uma criança treinada nas melhores escolas desde o pré-primário até o final do terceiro ano do segundo grau não pode ser comparada em expressividade a outra que venha de alguma relaxada e não-exigente escola, pública ou privada. Teria tido muita matéria, energia e informação à disposição? E quanto às sub-condições CS? Qual é seu índice de MIC (chamei de QIMC, Quociente de inteligência, memória e controle – não só o autocontrole como também o controle externo ou condutividade)? Em geral, qual seu nível de QEIM (Quociente de energia, informação e matéria) e de QIMC, ou QEIM/QIMC, ou QQ? A pessoa tem tempo e espaço em casa para estudar? Dispõe de informações atualizadas? E assim por diante.

                        Em quarto lugar podemos pensar nas CONDIÇÕES DA PIRÂMIDE PESSOAMBIENTAL (pessoas: indivíduos, famílias, grupos e empresas; ambientes: municípios/cidades, estados, nações e mundo). Que conjuntos cercam o observador? Eles o estimulam ou castram? A situação de predisposição ao olhar são de aceitação ou recusa? A pessoa se sente intimidada ou favorecida na pesquisa & desenvolvimento (P&D) por seu ambiente? Além da mesopirâmide poderíamos falar da micropirâmide (como se formou o ser que olha: partícula primordial, subpartículas, átomos, moléculas, replicadores, células, órgãos e corpomentes – heranças biológica/p.2, ou do ADRN, e psicológica/p.3 , ou do crescimento, vindas do pai e da mãe) e macropirâmide (planeta, sistema estelar, constelação, galáxia, aglomerado, superaglomerado, universo e pluriverso), pois faz sentido perguntar em torno de que estrela estamos. No caso o Sol é uma GO amarela de 10 bilhões de anos, nem jovem nem velha, uma estrela secundária resultante da explosão de uma supernova, com relativamente muitos elementos pesados que levaram à nossa formação terrestróide característica, recebendo certa porção-padrão de radiação (luz e calor) por segundo e metro quadrado. Vemos preferencialmente em torno da janela-de-luz, entre o vermelho e o azul, mas não o infra-vermelho ou o ultra-violeta, ou rádio, ou raios gama, ou raios X. Então, nosso olhar é do tipo GO-VA (vermelho-azul). Numa outra estrela poderíamos ter dificuldade de ver.

                        Em quinto lugar podemos falar das CONDIÇÕES ESTAMENTARES DO OBSERVADOR. Em que patamar ele se situa, quanto à sua condição de percepção? Não é a mesma coisa da Chave CST, porque lá é o que a pessoa tem, e aqui é o que ela faz com o que tem. O quê ele fez com aquilo  de que dispunha? Quanto interesse manifestou pelo mundo? Quanta dignidade atribuiu ao entorno? São sete os níveis: povo, lideranças (estudantis, comunitárias, sindicais), profissionais (professores, políticos, liberais), pesquisadores (mestres e doutores), estadistas, santos/sábios e iluminados. Se a pessoa atribui pouco interesse ao mundo e muito a si mesmo, ela se recusará a olhar para fora. A qual Classe do Fazer pertence (provisoriamente, sempre – não são castas hindus) o observador? Operária, Intelectual, Financista e Militar, ou Burocrática? Isto é, a qual visão de mundo é ele filiado? Se é um militar, verá o mundo como extrema competição entre pares polares (recusando-se a ver a completaridade dos opostos), no limite a guerra entre, digamos, Bem e Mal, Esquerda e Direita, Norte e Sul, Tempestade e Calmaria, Mocinho e Bandido, Vigilante e Vigiado, Falso e Verdadeiro, etc.

                        Em sexto lugar focaríamos as CONDIÇÕES POLÍTICADMINISTRATIVAS (ou governempresariais), quer dizer, em que condição se situa a produçãorganização ou sócioeconomia? Temos o Escravismo, o Feudalismo, o Capitalismo, o Socialismo, o Comunismo e o Anarquismo (ou, para não adotar os nossos nomes, Estágios P/A– de um a seis), conforme se passe de liberdade quase nenhuma a liberdade ou confiança quase total, quer dizer, da desconfiança quase absoluta à desconfiança quase nula em relação aos outros. Se o indivíduo é um escravo, dificilmente se sentirá à vontade para ficar “xeretando”, tão tremenda seria a desconfiança. No capitalismo de terceira onda (pois são quatro, a quarta já adentrando o Socialismo), não fazemos idéia da liberdade relativa que temos, por comparação com as anteriores, e da falta dela, por comparação com as posteriores.

                        Em sétimo lugar diríamos das CONDIÇÕES DE PROTEÇÃO: Moradia, Saúde, Armazenamento e Segurança, e no centro Transporte. Imaginemos um aluno que more a 20 quilômetros da escola e deva pegar dois ônibus, ficando no trânsito, na ida e na volta, um total de quatro horas espremido, com todo tipo de manifestação ao redor, e um outro que more a 20 metros dela, à qual pode chegar a pé por ruas arborizadas. E outros dois tipos, um sadio e um doente. Em extremo, um que more mal, tenha péssima saúde, dificuldade para conseguir os produtos de que necessite, viva em insegurança e tenha transporte deficiente.

                        Em oitavo lugar descreveríamos as CONDIÇÕES DE TRANSCRIÇÃO - se são excelentes, muito boas, boas, médias, ruins, muito ruins e péssimas. É diferente uma excelente apostilha ou livro muito bem impresso de uma apostilha mimeografada ou escrita com caligrafia horrível.

                        Em novo lugar delinearíamos as CONDIÇÕES DOS SUPORTES, chamados de meios ou mídia (o que é incompleto, pois os meios poderiam ser todos os da Pontescada Tecnocientífica: meios físicos, meios químicos, etc.): TV, Rádio, Revista, Jornal, Livro (dita editoria) e Internet, entre outros. É diferente o olhar de uma garota paulista que disponha de Internet de banda larga e uma paraguaia com acesso restrito aos meios mais antigos. Dentro disso há ainda a qualidade de edição, desde a altíssima até a baixíssima – quer dizer, o acabamento ou editoria geral. Quantos cuidados foram empregados na apresentação da obra que será vista? Quem tem mais idade pode comparar os livros de agora com os de 30 anos atrás, ou mais.

                        Em décimo lugar descreveríamos as CONDIÇÕES DE FORMAÇÃO: 1º, 2º e 3º graus, mestrado, doutorado e pós-doutorado ou pesquisa. É um funil pedagógico ou cultureducacional (cultura é a educação baixa ou geral ou desordenada, educação é a cultura alta ou focada ou ordenada). Um aluno de segundo período de engenharia olha o mundo do mesmo modo produtivo que um doutorando?

                        Em décimo primeiro lugar contaríamos as CONDIÇÕES DE APRESENTAÇÃO TECNARTÍSTICAS de apoio: que tecnartes do corpo estão amparando a mostra? Da visão: poesias e prosas, pinturas, desenhos, fotografias, modas, danças, etc. Da audição: músicas e discursos. Do paladar: comidas, bebidas, pastas e temperos, etc.Do olfato: perfumaria, etc. E do tato, sentido central: cinema, teatro, arquiengenharia, paisagismo/jardinagem, urbanismo, decoração, esculturação, tapeçaria, etc. O que é chamado de suporte áudio-visual (neste caso falando apenas de dois sentidos).

                        Em décimo segundo lugar exporíamos as CONDIÇÕES DE TRÃNSITO POLAR entre os pares de opostos/complementares. Em que ponto do trânsito estamos? Por exemplo, se a fase é de evolução, lenta e gradual, procedemos com calma no olhar; mas se estivermos numa fase intensa de revolução, rápida e violenta, nosso olhar deveria ser breve, pois estaríamos no limiar da sobrevivência. Em que ponto da evolução estamos? Logo no início, depois de completada a revolução, ou em 10 % a 90 % (ou, com mais precisão, 1 a 99 %)?

                        Em décimo terceiro lugar exibiríamos as CONDIÇÕES DA FIGURA (de sexo, de raça, de idade, de posição ou respeitabilidade – de que a riqueza é só um índice -, de tamanho). Há 500 anos as mulheres, os negros e os índios eram vistos como desprovidos de alma ou humanidade ou racionalidade. Faz poucos anos as mulheres eram desaconselhadas a estudar ou instruir-se. Os negros, nos Estados Unidos do sul da década dos 1960 não podiam entrar nas melhores escolas para competir (sempre as dos homens brancos anglo-saxões protestantes de lá) porque, por definição, eram supostos inferiores. Coisa de uns anos atrás um grupo de burguesinhos brasilienses queimou um índio. Tão recente quando a primeira metade do século XX crianças e velhos estavam à margem da sociedade/civilização/cultura. E ainda perguntamos de que família um indivíduo é, suas condições de sustentação (própria e alheia), em que bairro mora, com quê trabalha e assim por diante, numa discriminação disfarçada, sem aproveitar apenas a presença alheia. Além disso, obviamente, ser magro ou gordo, alto ou baixo, ser “bem proporcionado” ou não, “belo” (pelos critérios dominantes) ou não conta ponto na classificação instintiva que fazemos.

                        Em décimo quarto lugar apresentaríamos as CONDIÇÕES DE OFERTA do conhecimento, se é prático ou teórico, isto é, superficial ou profundo, exterior ou interior, sentimental ou racional. Ao fazer um bolo estamos apenas querendo algo para o café ou estamos estudando-o como um dos quatro grupos de alimentos, na engenharia de alimentos?

                        Em décimo quinto lugar daríamos conta das CONDIÇÕES INSTRUMENTAIS ou de programáquinas (por exemplo, software/programa ou hardware/máquina, nos computadores) ou de processobjetos ou produtinstrumentos ou de pesquisador-aparelho -  sejam as dos sentidos externinternos (olho externo, corporal, e olho interno ou mental), ou dos sentidinterpretadores (sentidos exteriores, interpretadores interiores), e a relação entre o pesquisador e o aparelho que usa. O aparelho é o mais avançado oferecido no mercado, ou de três gerações atrás? O indivíduo tem visão perfeita de um lado ou no extremo oposto é cego? Faz calor ou frio? É lugar protegido ou exposto?

                        Poderíamos continuar investigando, para depois reunir os índices em quatro super-grupos, como pede o modelo.

                        Não vale a pena, porque o objetivo é mostrar COMO É DIFÍCIL OLHAR, e porquê perguntar o que é olhar demanda ou pede toda uma extremadíssima e ainda mal-posta (ou não-posta) Filosofia do Olhar, para não falar dos outros modos do Conhecimento partido, digamos uma mais perfeita e completa Ciência do Olhar, com uma Teoria de Tudo do Olhar.

                        Em resumo: quando fazemos uma pergunta, QUAL É A CARGA DE RESPOSTA QUE DESEJAMOS? Além da métrica espacial física podemos falar de outras métricas: química, biológica, p.2, psicológica, e aí segue. A métrica da resposta psicológica nos remeteria à Pedagogia, à articulação do GRAU ou METICULOSIDADE ou RELEVÃNCIA da resposta. O que estamos pedindo, de fato? Pedir simplesmente que se fale do olhar pode levar a uma dissertação como esta, a um livro de 800 páginas da Ciência, a meia página de alunos de quinto ano do primeiro grau. QUE OLHAR É ESSE? É preciso definir, metrificar a resposta. Estabelecer LIMITES ÚTEIS naquele pontinstante específico do crescimento psicológico humano.

                        Fica especialmente difícil responder, se os limites não foram estabelecidos por uma carga correlativa anterior, assim como uma aula ministrada, ou um texto apontado para leitura.

                        Porque tudo se torna vago demais, para almas tão diferentes, vindas de tantas condições de formação. Se não é estabelecido um funil, é tão escuro como a noite em que se dorme, como disse a Clarice Lispector. Sendo as possibilidades tão amplas, onde está o quadrante de julgamento, e nele a particular seta do professor?

                        Vitória, domingo, 05 de maio de 2002.

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