Thursday, October 31, 2013

Atlântida (da série Expresso 222.., Livro 2)


Atlântida

 

                        Um Marc André R. Keppe publicou o livro A Origem da Terra (Geologia – História – Biologia), São Paulo, Próton, 1986, onde, entre outras coisas, fala de Atlântida no Capítulo 2, Queda de Civilizações Imponentes, 4, Atlântida, página 103 e seguintes. Todos os grifos e negritos meus.

                        A primeira linha já diz assim: “Foram inúmeras as interpretações sobre esta civilização (...)”, o que dá a entender QUE HOUVE uma civilização. Primeiro é preciso que haja para só depois perguntarmos se têm características de civilização. Acontece que é justamente a existência, preliminar, que está sendo posta em dúvida.

                        Também a Barsa eletrônica coloca: “Sede de antiga civilização que supostamente existiu (...)” e “(...) essa ilha do continente lendário (...)”. Primeiro coloca a afirmação, “antiga civilização”, e só depois a negação dela, “supostamente”, ou “essa ilha do continente” e a seguir “lendário”. Primeiro a mente toma contato com o positivo e só depois com o negativo.

                        Por quê essa gente não tem o mínimo de correção?

                        O autor citado acima, Marc Keppe, coloca em seu livro os diálogos platônicos Crítias e Timeu, nos quais o mito de Atlântida é relatado, no primeiro por Crítias, neto de Sólon, legislador ateniense que foi ao Egito de então (já com três mil anos de civilização), como algum americano de agora vai à Europa. Naturalmente Sólon contou aos filhos e netos, e Crítias repassou a Sócrates, que a contou a Platão, que a colocou no papel, na época papiro. Se Sólon já tinha alguma idade e se Crítias era um garotinho, algo pode ter se perdido na passagem.

                        Sócrates já tinha alguma idade quando recebeu o jovem Platão como discípulo. Nem ele nem Sólon eram caducos, porém a coisa não veio diretamente dos sacerdotes egípcios, nem houve pesquisa de fonte.

                        O Keppe cita extensamente, mas como não há espaço para tanto, vou destacar passagens e interpretá-las:

                        1) “Esta ilha era maior que a Líbia e a Ásia reunidas (...)”. A “Líbia” de que se fala aqui não é a mesma de agora, área de 1.775.500 km2, população em 2001 de 5,4 milhões, ditadura militar do coronel Muammar Kadafi, PIB indeterminado, indo de US$ 16,2 a US$ 50,0 bilhões. Era então o nome genérico da África. E Ásia era todo o Oriente depois do Crescente Fértil, quer dizer, depois da Suméria, da Mesopotâmia. A África tem 30,3 e a Ásia 44,3 milhões de km2, somando 74,6 milhões de km2. Veja que diz ILHA, portanto cercada de água por todos os lados. Para dizer que era maior tinha que conhecer, ou desconhecer (querendo dizer “muito grande”) ou estar de pilhéria com um estrangeiro crédulo (embora Sólon fosse legislador respeitado).

                        2) “(...) e todos os que se encontram deste lado do estreito”. Um estreito significa uma língua de mar entre duas porções de terra, como o Estreito de Magalhães, situado no extremo sul da América do Sul, onde esta se separa da Ilha Grande, na Terra do Fogo. Onde haveria um estreito nas proximidades de Europa e África, de onde o sacerdote e Sólon conversavam, exceto onde depois foi escavado o Canal de Suez? Por conseguinte estavam separados os dois continentes da África e da Ásia nove mil anos antes de Sócrates, ou 11,5 mil anos de agora, o que pode ser testado pela Geologia – é um pedido direto de prova. Como a África migrou para o nordeste (e a América do Sul para sudoeste) desde a separação de ambas mais de 900 km, pelos meus cálculos, seguramente houve uma passagem. Mas não vale ter sido 70 milhões de anos atrás, quando não existiam seres humanos, e sim tão perto quanto 11,5 mil anos. E Crítias, falando pela boca do sacerdote, diz: “deste lado do estreito”. Quer dizer que na época em que o sacerdote se pronuncia, por volta de 500 antes de Cristo, o estreito forçosamente deveria ainda existir, o que também pode ser testado. De fato o Egito se situa bem diante do atual Canal de Suez.

                        3) “(...) havia sobre as montanhas vastas florestas, das quais subsistem ainda traços visíveis. Pois entre essas montanhas que só podem nutrir as abelhas, as há nas quais não há muito tempo, se cortavam grandes árvores, próprias para montar as mais vastas construções, das quais os revestimentos ainda existem”. Aqui caberia datação de carbono, se tais revestimentos puderem ainda ser achados. Acontece que, na segunda metade do século passado, o XX, os cientistas descobriram com espanto que o Saara já teve água e hipopótamos, bem como grandes florestas, das quais há restos petrificados, bem como população que deixou rastros em cavernas. Segue-se que o sacerdote não estava delirando. E ele continua “(...) e a terra dava aos rebanhos pasto inesgotável. A água fecundante de Zeus que aí escorria a cada ano não escoava em vão, como hoje, para ir perder-se da terra estéril para o mar: a terra a recebia em suas entranhas e recebia do céu uma quantidade que reservava, nas suas camadas (...)”. Ou seja, CHOVIA a ponto de escorrer água que ia até o mar, quer dizer, havia rios perenes.

                        4) “(...) um dilúvio, que foi o terceiro, antes da catástrofe de Deucalião (...)”. Quando e onde os cientistas podem apontar QUATRO dilúvios, um seguido do outro, sendo que o último foi considerado uma CATÁSTROFE? Eis outro pedido de prova bem específico, a sondar nos depósitos aluviais. Catástrofe, no Houaiss, 651, é “acontecimento desastroso de grandes proporções”. Veja que des/astre significa desalinhamento dos astros, quer dizer, abalo provocado por realinhamento planetário, e DE GRANDES PROPORÇÕES é coisa grande mesmo. Deucalião foi, na mitologia grega, filho de Prometeu (o que roubou o fogo dos deuses para dá-lo aos humanos, e foi punido por isso) e marido de Pirra. Deucalião e Pirra, como Noé e esposa e filhos, foram os únicos sobreviventes, tendo se refugiado numa barca que os levou ao Parnaso, um monte, exatamente como no mito bíblico. Um dilúvio, de proporções absolutamente arrasadoras, a ponto de sobrarem apenas duas pessoas.

                        5) Atlântida era “(...) insolente potência que invadia de um só golpe a Europa e toda a Ásia, e que sobre elas se lançava do fundo do oceano Atlântico (...)”. Se estava na Europa e na Ásia não podia invadi-las, assim como os EUA só invadem o exterior; conseqüentemente, sendo o mundo conhecido Europa, Ásia e África, só restava a África. E o sacerdote continua: “Por outra, de outro lado possuía a Líbia, até o Egito, a Europa, até a Tirrênia”. Possuía a Líbia/África até o Egito, e a Europa até Tirrênia, que deu nome ao mar Tirreno, não se sabe se pelo lado da esquerda ou da direita. E repare que é “do fundo do oceano”, o Atlântico, e não outro. Do fundo tem significado tanto de “sob a superfície”, bem para baixo, quanto “de bem longe”, distante. Observe também diz: “(...) diante daquela passagem que chamais de colunas de Hércules (...)”. Com isso as pessoas traçaram uma linha reta e imaginaram que fosse dar nas Américas. Não, absolutamente não! Diz: DIANTE, ou seja, à frente, depois de, o que pode ser em qualquer lugar.

                        E fala em ilha. Ilha é ilha mesmo, uma porção de terra cercada de água, não se pode inventar.

                        Mas na Rede Cognitiva, que a Grade Signalítica mostrou, ilha = FALHA. E, adivinhe, o oceano Atlântico tem 106,5 milhões de km2, de modo que ele é maior que a África/Líbia e a Ásia juntas. Se houvesse uma civilização SOB AS ÁGUAS (que tivesse dominado a África e a Ásia juntas), satisfaria todas as hipóteses. Isso é impossível, mas a lógica do conto o exige. Dessa impossível civilização uma ilha seria o centro emerso, motivo para FC ou fantasia, e revistas em quadrinhos.

                        Não estou advogando a existência de Atlântida. E critérios já os coloquei nos textos do modelo, PORQUE a lógica há de ser preservada em tudo.

                        O próprio Keppe diz, p. 103: “Muito antes de o homem comprovar cientificamente que a Terra fosse esférica, já havia a imagem de Atlas carregando o globo terrestre na mitologia grega”. Seria o caso de buscar um exemplar dessa escultura, para mirar o globo reproduzido, os continentes presentes, etc. Creio que uma ou mais de uma deve (m) ser buscada (s) a todo galope. Achá-la seria fundamental, por milhões de motivos. Existiu ou não existiu. Se há chances, que a procurem metodicamente, cientificamente, com rigor. Se não a acharem, depois de todo esforço sério, que parem o falatório.     Agora, ficar enrolando é que não dá pé. Uns dizendo que sim e outros dizendo que não, ambos os lados se recusando a buscar porque, para os favoráveis o não-achamento seria o cancelamento de ilusões acalentadas, e para os negativistas o achamento os faria candidatos ao deboche.

                        Há tantas coisas para pensar que não podemos nos dar ao luxo de ficar embalando fantasmagorias.

                        Vitória, quarta-feira, 22 de maio de 2002.

                  

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