Sunday, October 27, 2013

Maurício e Disney (da série Expresso 222..., Livro 1)


Maurício e Disney

 

                        Entre Maurício de Sousa e Walter (Walt) Disney prefiro o primeiro. Comecei a ler as revistas Disney (já não era mais ele que desenhava, como também não é o Maurício que desenha) lá por 1959, quando tinha cinco anos, e freqüentava a pré-alfabetização em Cachoeiro. Fizeram uma aposta comigo, de que eu não conseguiria; levei muito tempo, mas ganhei um refresco.

                        Desde então não parei mais. Li Disney por décadas, até que enjoei. Os esquemas de fundo são americanos, é claro. Tio Patinhas é um sovina traiçoeiro que só pensa em dinheiro o tempo inteiro. Pato Donald é um fracassado iludido, o Tio dos meninos Huguinho, Zezinho e Luisinho, sempre os meninos espertíssimos. A Margarida é a eterna namorada dele. As trapalhadas são repetitivas, mesmo com a modernização. O Pateta, nome escolhido no Brasil, denota aquele idiota de que todos zombam. O Mickey é o rato sabe-tudo, com a namoradinha Minnie. Fora a Maga Patalógica (nome delicioso, sempre brasileiro) e outras personagens. O que se vê mais são traições, conchavos, conspirações, todo tipo de perversidade. A bondade é um gesto raro, até raríssimo, e a compaixão está completamente ausente, segundo a ética protestante do trabalho forçado. Enfim, todos os valores negativos estão presentes.

                        Por comparação, Maurício e seu grupo de criadores nos proporcionaram criações muito mais felizes.

                        Embora seja ruim ver a sujeira permanente do Cascão, a esquizofrenia do Cebolinha (até cheguei a pensar que só ele via o Louco), o autoritarismo da Mônica, Dona da Rua, a gulodice irrefreável da Magali, os planos sempre falíveis do Cebolinha de substituir a ditadura da Mônica pela sua. Sem falar do Piteco, que foge do casamento a todo custo, e da Tugha, que o persegue, colocando as mulheres em posição desfavorável. Os animais que aparecem na floresta são caricatos.

                        A única personagem realmente sadia é a do Chico Bento, que vive na Roça indeterminada.

                        Mas em Papa-Capim os índios são vistos favoravelmente, a ecologia é freqüentemente retratada e defendida, os pais e as mães são amorosos, o amor é valorizado, os jogos infantis de antigamente são trazidos à baila (pipa, pião, bola-de-gude, pegas de esconder), a amizade é uma constante, os valores humanos são positivos são insistentemente sobrelevados.

                        Nem por isso a sociedade brasileira é melhor.

                        Mas é o espírito da coisa. O negativismo de Disney e seu grupo versus a abordagem francamente favorável de Maurício e sua turma.

                        Os seres humanos não são retratados unicamente como grotescos, via modelação de animais, como em Disney.

                        É óbvio que todos sabemos da banda podre. Ninguém quer esconder isso. Por exemplo, o Espírito Santo em volta do ano 2000 é uma coisa tristíssima, com 14 assassinatos em dez horas, horripilante marca.

                        Não obstante, há uma distinção notável entre os dois espíritos, sendo o do brasileiro Maurício MUITO MAIS digno que o do americano Disney. E, pelo menos neste particular, o que é bom para os americanos não é bom para os brasileiros, e creio que nem para o resto do mundo.

                        Seria legal os acadêmicos e os cientistas abordarem com suas ferramentas os dois grupos, comparando-os em todos os itens onde houver paralelismo.

                        Vitória, sexta-feira, 19 de abril de 2002.

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