Tuesday, July 19, 2016

Bruxaria O cara entrou fuzilando na loja. Era uma Bruxaria, como existem pastelarias que vendem pasteis, revistarias que vendem revistas, tabacarias que vendem tabaco e assim por diante, essa vendia bruxas, bruxos, feiticeiros, feiticeiras, magos e magas, mandingueiros e mandingueiras, essas coisas. O proprietário estava a postos. O intruso estava furioso. INTRUSO (apoiando-se no balcão com vidros que mostravam os objetos) – comprei umas porcarias aqui ... PROPRIETÁRIO (apontando os vidros em perigo de rachar) – cuidado. INTRUSO (levantando os cotovelos, incomodado por ter sido chamado à atenção) – que que é? PROPRIETÁRIO (cuidadoso, com as mãos na cintura, desafiante) – o senhor vai quebrar o vidro. INTRUSO – e daí, se eu quebrar? Não estou de bom humor. PROPRIETÁRIO (botando o galho dentro) – o que se passa? Posso ajudar? INTRUSO – não sei. Comprei aqui uma Bruxa, não funcionou, uma porcaria. PROPRIETÁRIO – ah, meu senhor, aqui é loja de periferia, cidade do interior, o estado da coisa, o senhor sabe, Brasil, o que o senhor poderia esperar? INTRUSO – moro aqui, eu sei: três S, SSS, cidade suja, povo selvagem, serviço ruim, mas assim também, não, né, pelo meu dinheiro sempre muito bom quero coisa que funcione. Não funcionou. PROPRIETÁRIO – é magia, meu senhor, é mentira, é para divertir, se quiser coisa séria tem de pegar outra coisa, é para passar o tempo, tem de fingir que acredita. INTRUSO – quando comprei disseram que iria funcionar. PROPRIETÁRIO – claro, a mentira. INTRUSO – mas, se nem isso! Quebrou, estou dizendo! PROPRIETÁRIO – nos estrangeiros é melhor que aqui, lá as mentiras funcionam, aqui nem sempre, o senhor tem de dar um desconto. Nos EUA, na Europa, principalmente na Grã-Bretanha e na França, a mentirada corre solta e ninguém reclama. INTRUSO – mas não estou lá, estou aqui. PROPRIETÁRIO (falando baixinho, quase inaudível, para trás: “podia ir”) – vamos tentar resolver. O que está pegando? INTRUSO – era festa de aniversário dos gêmeos, eu queria uma coisa que enganasse como aquelas de Brasília, para depois eu dizer, é tudo mentira, vocês não devem acreditar nessas coisas, mas num primeiro momento passasse por ser verdade. PROPRIETÁRIO (calmo, explicando) – meu senhor, em primeiro lugar aquelas mentiras de Brasília custam o olho da cara e pode ter certeza de que todos nós pagamos um pouco. Em segundo lugar, o senhor deve pensar que talvez seus filhos estejam um pouco acima da média, aí não engana mesmo. INTRUSO (querendo acreditar em filhos gênios) – o senhor acha? PROPRIETÁRIO (aproveitando a deixa) – claro. Isso de Magia é tudo mentira, mas é para o pessoal mais fraquinho, entende? Sem querer julgar ninguém, está na cara que não, há lugar para todos. INTRUSO (pensativo) – é, pode ser, principalmente a menina, ela não se dobra fácil e quando eles começam a cochichar ... PROPRIETÁRIO (empurrando) – e o senhor notou se cochicharam? INTRUSO (colocando a corda no próprio pescoço) – notei, sim. PROPRIETÁRIO (dando o laço) – então está explicado. Crianças espertas são difíceis de enganar. E quando as pessoas começam a conversar fica difícil acreditar nas mentiras ... INTRUSO (já pacificado, todo satisfeito de o outro ter reconhecido a genialidade dos filhos) – com certeza, foi isso mesmo. Serra, sexta-feira, 05 de fevereiro de 2016. GAVA.

No comments: