Lixo
de Argumento
Estava passeando com esse amigo pela orla,
papo vai, papo vem, ele estava chupando picolé desses de praia, muito gostosos
mesmo, já chupei, são duma firma daqui do ES, muito competente, isso foi antes
de eu ter glicose, agora tenho de ficar babando e lembrando dos tempos bons que
eu não agradecia, nem fazia ideia do que seria o futuro.
Nisso ele terminou e jogou o papel envoltório
e o palito no chão.
EU – por que você não jogou no lixo? Tem um
bem ali do lado.
ELE (nem adianta, não vou dizer o nome; dando
de ombros) – ah.
EU (temos intimidade, posso falar) – ah, o
quê? Estava a um metro de você (apontei para trás, estávamos andando).
ELE – ah, depois o gari pega.
EU – mas fica sujo. Até que ele pegue fica
sujo, as pessoas vão ver, é desconfortável.
ELE – ah, caramba, temos de dar emprego para
os garis.
EU – que tipo de argumento é esse? Ele tem de
varrer, tem de colocar na pá, tem de colocar no saco, seria mais fácil se fosse
recolhido da lixeira, é porisso que dizem “lixo é na lixeira”.
ELE – querem dizer, “restos é na lixeira”.
EU – pode ser.
ELE – pode ser, não, é mesmo, seria como
dizer “goiaba é na goiabeira”, redundância, seria o quê? Mexerica ou melancia?
EU (não querendo polemizar nisso, era desvio
do assunto) – mas a gente tem de facilitar a vida deles.
ELE – de qualquer forma, seja aqui ou lá no
lixão, tudo vai poluindo inexoravelmente, destruindo a Natureza, a humanidade
está com as décadas contadas, tem só cem anos de “enlixamento” e já estamos
sendo afogados, as pessoas só prestam atenção no petróleo, o lixo é pior.
EU (que nunca tinha ouvido essa palavra) –
essa palavra não existe.
ELE – tá, passou a existir, estamos sendo
mergulhados no lixo, não tem mais volta, é o fim.
EU – tudo tem volta, a humanidade é criativa.
ELE – criativa para a destruição. DE todo
modo as espécies só duram dois milhões de anos, a humana tem, desde os
hominídeos, mais de cinco milhões de anos, a janela já fechou. Dos NEMAY (ele
falava assim, neandertais de Eva Mitocondrial + Adão Y), 300 mil anos, está
acabando, c’est fini, é o fim.
EU – fim nada, se TODOS (frisei bem a
palavra, olhando para ele) fizessem sua parte poderíamos durar muito mais.
ELE – nem adianta me culpar, o caso é que os
lixões estão contaminando tudo, as partículas no ar, venenos nas águas,
“sequestro de carbono” que é modo de autorizar as bandidagens dos bandidos,
tudo isso ... Está acabando.
EU – nos perigos acontecem as revoluções.
ELE – se por acaso passar desta, mais pra
frente vai haver outra, a humanidade está destinada ao colapso, TUDO ESTÁ. Pra
que resistir?
EU – Como assim, pra que resistir? Se fosse
assim, durante a Grande Depressão de 1929 as pessoas teriam deitado no chão pra
morrer. Não, né? Elas lutaram e o mundo ficou melhor que antes. Ou na Grande
Recessão de 2008, era pra gente se jogar do precipício. Vamos inventar uma
solução.
ELE – bom, pode ser que sim, pode ser que
não, de qualquer forma em 2040 começa o fim do petróleo. E pode haver um
conflito nuclear, as pessoas são doidas de pedra.
Nisso eu concordei, eram mesmo.
EU (sem me dar por vencido) – mas se cada um
fizer um pouquinho será como o colibri levando o dedal de água para apagar o
incêndio na floresta, com a gozação dos circunstantes.
ELE – você ouviu dizer se o incêndio foi
apagado?
EU (não tinha ouvido) – não é isso, é só um
exemplo de persistência.
ELE – persistência para quê? Depois, há o
flare do Sol, a grande tempestade esperada, sei lá, cinco bilhões de anos, ou
uma grande explosão ou isso e aquilo, que importância tem? E, depois, o
universo vai acabar mesmo, Deus/Natureza vai criar outro, essa coisa vai
rolando ...
EU – então, olhando lá da frente, esse é o
argumento final para não jogar os restos do picolé na lixeira?
Nisso tínhamos dado a volta e chegamos de
onde partimos, cada qual foi para sua casa, corri para anotar as lições de
pessimismo, desde esse dia não saí mais com ele, pelo menos no calçadão, no bar
é outra coisa.
Serra, terça-feira, 26 de janeiro de 2016.
GAVA.
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