Finja
I: A Vida Além dos 50
Era um casal realmente casado (veja só em que
mundo estamos, é preciso afirmar as verdades evidentes de antigamente), porisso
mesmo acostumado ao tema, não tiveram dificuldade.
Eram estudiosos, publicavam paper em revistas
da especialidade, bem esquisita, de eletromecânica de fotografias, profundos
conhecedores do setor, tinham ganhado prêmios (não só juntos, como separados
também, ambos tinham méritos reconhecidos no cenário internacional).
Começaram depois de ler o artigo daquele cara,
A Vida Depois dos 25, onde ele tinha
raciocinado se não haveria algo que apareceria em grandes velocidades do obturador
das máquinas fotográficas, quer dizer, se os seres humanos veem como em
movimento 24 quadros, como filme sequencial as fotografias passadas a essa
velocidade, que aconteceria se fotografassem a velocidades maiores?
FOTOGRAFIAS A ALTAS
VELOCIDADES
(o pessoal já faz isso há bastante tempo, qual a novidade disso?)
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Esperaram um tempo para ver se algum colega
no Brasil ou fora daqui tinha se interessado pelo tema, pesquisaram no Google,
nada, daí se lançaram.
Começaram por 25 frames por segundo, foram
avançando, até 50, nada. Criaram um programa que excluía todo objeto que
permanecia o mesmo, com as modificações devidas, por exemplo, seres humanos, ou
que realmente seguiam imóveis como objetos ou se movendo por indução humana,
como rodas, que foram todos excluídos, de modo que no princípio os cenários
pareciam totalmente vazios quando as fotos eram encadeadas como filmes, era uma
chatice ficar vendo os ambientes vazios, aqui e ali uma linha da retirada
imprecisa, tudo cinza claro, como pretenderam.
Normalmente as velocidades são de 1/24 de
segundo, de modo a caberem 24 quadros num segundo; num minuto 24 vezes 60 =
1.440, numa hora de filme 86,4 mil quadros, na hora e meia em que eles em geral
duram quase 130 mil quadros, quem aguenta ficar vendo 130 mil quadros vazios?
Eles compactaram, foram tirando os intermediários, contavam primeiro de segundo
em segundo, suprimiam o intermediário, de forma que a 1,5 hora se transformava
em apenas 5,4 mil quadros encadeados como filme. Então reduziram ainda mais e
começou a aparecer, primeiro uma ou outra imagem, depois cenários inteiros,
quer dizer, aquelas criaturas estavam “vivendo”, movimentando-se
lentissimamente, uma vez a cada vários minutos, não era à toa que não
percebíamos, passavam como “sombras”, uma ou outra vez algum humano superdotado
via como “fantasma”.
FANTASMAS
Quando ficou comprovado além de qualquer
dúvida depois dos controles científicos do método, quando submeteram as cenas
literalmente do outro mundo que viram a todo tipo de filtro de trapaças, eles
finalmente sentaram à mesa da cozinha com dois litros de café e tiveram a mais
demorada conversa de suas vidas, aqui retratada nos finalmentes.
ELA – querido, que vamos fazer?
ELE (cabisbaixo) – não sei. O que você pensa?
ELA – podemos destruir tudo.
ELE (em princípio concordando, mas com o
remorso de cientista) – e o que colocaríamos no lugar? Estamos há oito meses
nisso.
ELA – podemos pegar aquelas fotos de
extremófilos que vimos guardando há três anos.
ELE – será que vão cair?
ELA – bom, pode ser que nos chamem de
estúpidos...
ELE – por mim não tem importância, você liga?
ELA – não, de jeito nenhum, só vai parecer
que estamos perdendo o pique, publicando uma trivialidade.
ELE – por mim...
ELA – também não ligo. Quanto a tudo isso,
colocamos uma chave de 128, botamos num HD de máquina velha, colocamos no
sótão, dizemos que é relíquia, quem vai querer, quem vai procurar? Se fôssemos
apagar alguém poderia pegar os resíduos.
ELE – bem pensado. E fingimos.
ELA – certo, com o passar do tempo vamos
acabar esquecendo.
ELE – sei não, mas vamos nos esforçar.
Serra, sexta-feira, 22 de janeiro de 2016.
GAVA.
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