O Quadro da Vida
Sabe ali depois do Terminal de
Jacaraípe, antes dos eucaliptos parceiros da Aracruz, naquela subidinha em que
o ônibus balança para a esquerda e a direita? Um cara gordo de uns 150 kg
levantou da outra cadeira e praticamente sentou em cima de mim. Ainda bem que
eu estava perto da janela, pois perdi a respiração, fiquei sufocado, entalado,
uma banda toda do corpo dele em cima de mim.
Eu, hem? Desconfiei, mas fiquei
calado.
Ele tinha uma cara de doido que só
vendo.
Olhei de banda, o cara barbudo,
nossa senhora!
E se ele tentasse me esganar?
Fico com vergonha, mas se for
preciso gritar eu grito, olhei para ver se havia alguém preocupado, não havia,
todo mundo olhava para frente. Senti uma opressão no peito, uma sensação ruim à
bessa, não sou de rezar, se fosse teria rezado. Achei que iria passar mal,
contudo não passei, fomos adiante.
Não demorou muito ele olhou pra mim
e perguntou se eu sabia dos quadros dos pintores.
- Sabe dos quadros dos pintores?
Fiz que sim com a cabeça.
Tem doido para tudo, meu caro, gente
que sobe em poste para jogar pedra em avião, que rasga dinheiro, que dá chute
em parede, que acredita no governo, que escreve para Papai Noel. Todo cuidado é
pouco. Fiquei atento.
150 kg, 2,10 m, isso me tornou
estranhamente cooperativo. Tinha uns muque de fazer inveja ao Schwarzenegger no
auge do Conan, não o de agora.
- Então, aquilo é uma fotografia do
espaço e do tempo.
Quem iria imaginar que um gorila
daqueles soubesse dessas coisas?
- O pintor fotografou com a mente
dele para nos brindar com uma visão especial do espaço e do tempo dele.
De onde ele tinha copiado isso, onde
tinha lido?
O ônibus ia sacolejando, minhas
pernas estavam sendo esmagadas, tentei sorrir, senti que depois não iria
conseguir levantar se alguém não me emprestasse muletas.
Fim que sim com a cabeça, esperei
que não desejasse que falasse, eu não conseguiria. Aí que fui entender a
palavra “tartamudo”, gago, eu gaguejaria se tentasse falar. Estava me faltando
ar, eu sufocava.
- Qualquer técnica que ele use, é uma
fotografia EMOCIONAL.
Nossa, que profundidade! Nunca tinha
pensado nisso. Onde esse sacana leu tudo isso?
- Pois bem (eu balançava a cabeça
com entusiasmo), imagine um filme pegar aquele retrato, aquela pintura, digamos
Delacroix e, recuando, caminhar até ali, parar no ato de retratar e depois
continuar... não seria legal?
Balancei a cabeça que sim, eu não
iria duvidar nem interpor objeção, não sou doido.
- Entendeu?
O
GÊNIO DELACROIX, A LIBERDADE INVENTADA PELA REVOLUÇÃO
![]() |
![]() |
Balancei furiosamente a cabeça.
- Então, vamos supor, o diretor cria
um roteiro por encomenda incluindo o retrato, estudando a geo-história de antes
e de depois do quadro, que doravante não está mais morto, reviveu, ressuscitou,
foi trazido à vida pela película.
Fiquei bestificado de ver um
grandalhão daqueles ter uma ideia supimpa assim. Como não fui eu que tive?
Nisso já tínhamos nos aproximado da
Serra sede, ali onde fica a rodoviária da Águia Branca, antes de atravessar o
viaduto para ir ao prédio da Prefeitura. Ele desceu e depois que o ônibus já
tinha arrancado foi que me lembrei de perguntar o nome dele, mas já era tarde.
Eu estava colocando as carnes e os
músculos no lugar, ficou dolorido uma semana. Que alívio, nunca me senti tão
descomprimido na vida.
De início achei legal, mesmo não
sendo ideia minha, depois comecei a pensar: como é que os cineastas vão pegar
todas as pinturas, altos e baixos relevos, estátuas, objetos que seja e
transformar em filmes? São milhares e milhares dessas coisas, é impossível.
E fazer um só nem teria graça.
Agora até já acho que sonhei tudo
isso.
Nunca mais vi o gordo, acho que ele
nem existe, foi imaginação minha. E como que um sujeito truculento desses teria
uma ideia assim bacana?
Serra, sexta-feira, 13 de julho de
2012.
José Augusto Gava.
No comments:
Post a Comment