Sunday, September 01, 2013

Contagem Regressiva (da série Ah Se Eu Te Conto)

Contagem Regressiva

Basicamente era um bar de milicos, policiais militares e civis, espias e coisas do gênero, nada ostensivo, pelo contrário, as pessoas eram muito discretas, muito quietas e comprometidas, os comandantes estavam de olho, ninguém ia de farda nem nada, nem mostrava carteira, essas coisas ridículas. O glorioso Corpo de Bombeiros ia também. Enfim, iam todos, pessoal da ativa e os da reserva, iam os chefes, inclusive as esposas e no caso contrário os maridos. Muito familiar, iam as crianças e os jovens que ainda não tinham se afastado.
Entupia.
Nesse dia, desgraçadamente, rompeu um briga.
Como explicar?
Eu tava lá e não vi.
Quase aconteceu um desastre.
Porra, eu tava lá, não posso entender como não vi a tempo de contemporanizar, de botar panos quentes, de arrastar um pro lado, amansar, falar de pé de ouvido, poxa cara, olha os chefes, as esposas, as crianças.
Que besta que eu fui!
Quando vi já tinha pegado fogo.
Pessoal bom, mas esquentado, um falou uma coisa que o outro não gostou, ninguém nem lembra o que foi, perguntei a vários, quando vimos o troço já estava estourando, igual enchente, difícil de segurar.
Dois brutamontes se encararam, felizmente ninguém estava com arma, mas aqueles lá (e todos nós, claro) tinham sido treinados para matar “com as mãos nuas”. Ficaram frente a frente feito dois galos de briga, o pessoal tentou arrastar, mas eram enormes, mesmo seguro cada um por três outros estavam caminhando para o confronto, quando o capitão Gomes se meteu e propôs fazer a contagem regressiva antes do pega.
O pessoal estranhou.
EU estranhei.
Acontece que o capitão é um desses pacificadores que os americanos chamam de Pace Maker, fazedor da paz, aquele cara que tem argumentos para acabar com os conflitos potenciais, com os seqüestros, com as tentativas de suicídio, aquele cara super-escolado, por sinal psicólogo de formação, super boa gente, amigo de todo mundo que nunca tinha perdido um caso. Enfim, a mais fina flor. Rigoroso, correto, amigo.
Logo ele?
Ele se ofereceu.
O pessoal ficou pasmado.
Estuporado.
Assombro puro.
Ele perguntou se todo mundo concordava que ele fizesse a contagem regressiva. Perguntou pra um, perguntou pro outro, perguntou pra cada grupo, perguntou pros chefes, acho que as pessoas esperavam que ele começasse a falar, a dar um esporro em cada um, a passar um sabão geral, porisso o pessoal concordou.
Não é que ele começou mesmo?
CONTAGEM REGRESSIVA

E ele começou:
- Dez, nove, oito...
Na medida em que ele começou mesmo o queixo das pessoas caiu. Não é que ele tá contando mesmo? Ninguém queria acreditar.
-... sete, seis, cinco...
O pessoal estava estarrecido, inclusive os dois valentões, que no fundo queriam que ele conversasse com cada qual para não terem de brigar.
-... quatro, três, dois, um, zero, menos um, menos dois...
Tava todo mundo tão desnorteado que só fomos perceber depois. Ninguém tinha dito para ele parar, ele só falara que ia fazer a contagem regressiva, não falou que era só dos números inteiros, que não iria incluir os negativos.
Quando o pessoal percebeu o artifício caiu todo mundo na gargalhada, os que riam mais eram os dois coiós, os chefes riam às bandeiras despregadas, as mulheres se seguravam nas paredes, as crianças por imitação rolavam no chão, o capitão ganhou a noite (e, logo depois, uma promoção a major).
Serra, sexta-feira, 14 de dezembro de 2012.
José Augusto Gava.

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