Sísifos Brasileiros (da série Conto N'Ato)

Sísifos Brasileiros

Aqueles Sísifos de que já falei eram os estrangeiros.

Estes são os brasileiros.

O fato é que quando espalharam a notícia de que tinha “um pessoal” levando pedra até lá em cima no morro, que depois elas desciam e deviam ser erguidas a muito custo e assim sucessivamente, juntou gente para ver e alguns, pegando a mania dos americanos, batiam palma igual uns idiotas.

Foi juntando gente, juntando gente, juntando gente até que as barraquinhas de churrasco chegaram com o “churrasquinho de gato”, que nada tinha de gato, era legitimamente boi, porco, galinha, só que amaciado com amaciante ou com leite de mamão.

Os carrinhos de picolé encostaram também, bem como os vendedores de cerveja em latinha, “geladinha, freguês”, carregada em isopor com gelo, custando o dobro do supermercado perto daqui, mas quem queria entra na fila do caixa?

Os Sísifos, também, não eram de se sacrificar muito, cada qual achava uma fissura onde escorar a pedra ou uma reentrância ou o que fosse e ficava ali observando o pessoal que os olhava.

E ia juntando gente.

Chegou a cavalaria.

- Desafasta, desafasta, vai arredando, dá passagem que é o pessoal da lei, é a autoridade.

- Olha o bolinho de bacalhau frito na hora.

- Olha o churrasquinho, moça, o namorado paga, vai querer dois, meu filho? Quer que passe na farinha? Vai pimenta da forte ou vai molho?

- Óculos de sol, sombrinha xinga-língua, chapéu pra madama.

- É a pélia torradinha, quem vai querer?

- Ó gente, vai desapartando, vai chegando pro lado senão vamos descer o cacete.

TROPA DE CHOQUE

Tá tudo virado.	Para de 6 de Sestembro, demonstração de potência.
Tudo na santa Paz Celestial.	PT-TRALHA.

- Que é isso, seu guarda, aqui tem criança.

- Não é cacete naquele sentido, minha senhora, é borduna.

- Quem vai querer cadeira de praia? Óleo de bronzear. Binóculo? Autógrafo dos Sísifos, tá na mão.

- Por favor, gente, é a Kombi da TV, dá um espacinho aí.

- Quem vai querer água mineral? Tem da gasosa e tem sem gás, sem agrotóxico, sem glúten, natural da própria fruta.

Um político chegou fazendo estardalhaço, colocou a banqueta e foi falando o que lhe vinha à cabeça, sem o mínimo de respeito pelo povo, como sempre.

Um pastor subiu na árvore e começou a arrebanhar ovelhas que tosquiar e tascou o Sermão da Montanha, “bem-aventurados são os Sísifos...”.

Chegou uma ambulância “só para prevenir se alguém passar mal” e um carro do corpo de bombeiros, preventivamente preparado para aguar a multidão com calor.

Chegou o pessoal do sindicato: “os Sísifos são sindicalizados?”

Viram os artistas e os documentaristas.

Os Sísifos tinham colocado umas esteiras e umas barracas e tavam roncando a valer.

Serra, terça-feira, 13 de novembro de 2012.

José Augusto Gava.