Saturday, September 07, 2013

Teosofone IVa - Não Adianta Tentar Fugir, Vou TV em Quqalquer Lugar (da série Ah Se Eu Te Conto)

Teosofone IV – Não Adianta Tentar Fugir, Vou TV em Qualquer Lugar

Gordon estava cada vez mais arisco. Não só não atendia telefone de linha como também não celulares, a não ser no serviço e assim mesmo perguntando antes se era Deus, como já ficou posto.
Esteve tomando doses cada vez mais cavalares de antidepressivos, até os médicos lhe deram seis meses de licença médica, que ele estava passando deitado na poltrona com um cobertor sobre as pernas, como se vê nos filmes. Ficava dopadão, de olho arregalado. Uma senhora vinha diariamente limpar a casa e ele lhe dera chave, para ela não tocar a campanhinha, porque até isso o assustava. Infelizmente o filho da puta do rapaz que trazia a comida não aceitara o acordo (pelo prazer de sacanear, tá na cara) e tocava a campanhinha TODO DIA, o filho de uma égua.
Como já ficou dito, Gordon não assistia TV desde os sete anos, quando Nixon renunciou, aquela florzinha covarde.
Sozinho, acabrunhado, os amigos deram cada qual um pouco e compraram um TV de 56”, LCD LED, 3D, enorme de grande, posto na sala bem de frente à poltrona.
Gordon, que não lia, ficava ali de cara pra cima, debaixo do cobertor. A empregada mexicana, Maria, instava com ele: “seu Gordon, liga pelo menos no canal das crianças, para passar o tempo, fico triste de ver o senhor aí sozinho olhando pro teto”.
Um dia, Gordon ligou.
Estava vendo o programa da Xuxa de lá quando apareceu na tela uma cara de homem branco de barba branca e cabelo branco, escritinho as imagens que aparecem desde antigamente. Deus finalmente se dava a conhecer a Gordon.
- Oi, Gordon.
Gordon pegou rapidamente o controle remoto para acionar o mute, mas não deu certo, não emudeceu, porra.
- Não adianta, Gordon, você não fez o que nós combinamos.
- Nós combinamos, nada, você falou, eu ouvi porque não podia fugir.
Sorrateiramente Gordon rodeou o aparelho, puxou o fio da tomada e nada, continuou falando.
- Não tem jeito, Gordon, você tem de me ouvir.
- Isso é assédio, sabia? Posso te processar.
- Sabe aquela piada que diz que os advogados estão todos em poder do demo?
- Sei. Já contei várias vezes.
- Pois é, Gordon, não é bem assim, sabe...
- Aliás, é bom saber que você tem oposição.
- Por assim dizer, né, é mais o charme, compreende, é o humor da coisa, o glamour, tudo isso, sendo o não-finito não tenho oposição, mas tolero porque é divertido.
- É tudo farsa, então?
- Propriamente, não é, lembra-se do livre-arbítrio?
- Lembro. Mas é inútil, né? Você vive me perseguindo. Deixa eu, caramba! Larga eu!
- Gordon, você tá nervoso, está até falando errado.
GORDON (nervoso a não mais poder, agitadíssimo, amuado, falando alto, gritando, espumando) – me largue, me deixe, então!
- Gordon, simpatizei com você, rapaz, você é um bom garoto, estou empenhadíssimo em mostrar o caminho correto procê.
- Bosta, que caminho correto?
- Bem, é o seguinte: lembra que Bushinha, Cheney e Rice fizeram aquela cagada no Iraque, onde você torturou aquelas criaturas?
- Lembro.
- Pois é, é preciso que você vá fazer uns reparos para mim...
Serra, sexta-feira, 21 de dezembro de 2012.
José Augusto Gava.

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