Saturday, September 07, 2013

Teosofone V - Te Pego na Rede (rádio) (da série Ah Se Eu Te Conto)

Teosofone V – Te Pego na Rede

Embora tivesse concordado com Deus “da boca pra fora”, Gordon não pretendia NUNQUINHA voltar ao Iraque, porque andara aprontando lá e não queria pisar no país “de jeito nenhum”, dizia. Tinha pesadelos constantes sobre estar torturando os soldados postos como inimigos.
Bom, o safado do Sattan Hussein, tá certo, merecia, mas quando Gordon se inteirou da coisa ao voltar para casa ficou muito chateado e não queria de jeito nenhum falar na coisa. Já batera em mais de meia dúzia, aqueles putos que de vez em quando cutucavam: “e aí, Gordon? Conta aquela das criancinhas”. Ele ficava azul e partia mesmo pra briga.
Depois daquele lance do TV, ele dera o aparelho para a empregada mexicana, Maria, que ficou felicíssima.
Gordon voltou ao amuo, porém com tantos meses de licença ficou sem nada para fazer, andando sem parar pela sala, tentando dormir 16 horas ou mais por dia, jogando xadrez sozinho, bisbilhotando a vida alheia de binóculos, saindo para conversar com os vizinhos (sempre temendo o toque dos telefones) e assim por diante, mas o tempo não passava. Um dia era um acontecimento, 180 então... Ele ligou pro médico, dizendo já estar bem. Entretanto, quando o médico psiquiatra fez questão de visitá-lo em casa não só não o deixou voltar ao trabalho como aumentou a dose de tranqüilizantes; Gordon já estava quase um zumbi.
Depois de uma semana, ele se lembrou do rádio que tinha no porão, da época em que era radioamador. Montou a antena, reestudou os manuais, reaprendeu dos livros velhos (isso não muda muito, é mais ou menos a mesma coisa desde a época de Hamurabi), colocou em funcionamento.
Dez dias depois do papo anterior ligou o rádio.
Qual a primeira coisa que escutou?
- Oi, Gordon, estava com saudades de você, menino.
O queixo de Gordon caiu.
- Caramba, não tem jeito de escapar de você, né? Você está em toda parte.
- O nome disso é ubiqüidade, é uma propriedade minha, estar em toda parte ao mesmo tempo, aliás, você gostaria de ver este pulsar?
PULSARES E QUASARES

- Não, obrigado.
O caso é que Gordon fora para o Exército para não ter de encarar a Força Aérea e os aviões, tinha medo de altura; e não fora para a Marinha para não ficar em nada que tivesse mais de um metro de altura.
- Cê que sabe, mas você tá perdendo, tá?
- Não tem importância, tá bom aqui.
- Gordon, meu querido, você não foi ao Iraque pedir perdão às famílias, a bandidagem de vocês com aquela invenção de “armas letais” de Sattan.
- Não fui e não vou! Você que achou que eu iria. Se queria que eu fosse, porque não forçou?
- Gordon, não é assim que funciona, entende? Não pode ser na marra, não pode ser imposto, nem sequer tributo, não pode ser forçado igual a dízimo, tem de ser por “livre e espontânea vontade”, tem de ser por amor, oferta. Só aceito essas coisas, fé, que é a confiança sem provas e amor, que é a doação sem retorno.
- Então, por quê você está perdendo tempo comigo?
- Sou persistente, Gordon. Quando quero uma coisa é impossível me parar.
O QUE MAIS DEUS VALORIZA
AMOR

- Amor? Fé? Tá doido?
Gordon era um daqueles irredimidos.
Deus teimava, com aquele jeito bonachão de tolerar quase tudo.
- Gordon, filhinho...
- Não me chame de filhinho. Vou me filiar à oposição.
- Tá bom, tá bom, mas vou te adiantando que eles estão querendo adesão, querem ser perdoados depois de todos esses zilhões de anos.
- Certo, o quê você quer, não consigo escapar mesmo...
DEUS (todo empolgado) – pois, é Gorodon (ele falavam assim quando ficava satisfeitíssimo), a questão é esta...
Serra, sexta-feira, 21 de dezembro de 2012.
José Augusto Gava.

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