Saturday, September 28, 2013

Pteronodantas (da série Conto N'Ato)

Pteronodantas

A aula da professora era muito concorrida, ela procurava mesclar com a realidade, dar exemplos ao alcance da criançada.
A CITAÇÃO DE J. J. BENÍTEZ (Existiu Outra Humanidade, São Paulo, Planeta, 2012, p. 129, sobre original espanhol de 1975)
“Se bem me lembrava, apesar de seus nove metros de envergadura, esses répteis voadores – como em toda a família dos pterossauros – mal podiam levantar voo. Nem os músculos de suas asas nem as fracas patas traseiras eram capazes de se erguer do solo. A paleontologia afirma que devem ter vivido nos penhascos, onde as correntes de ar os ajudariam a se elevar”.

- Esse lugar de que falo era um promontório quando visto de terra, uma montanha abruptamente cortada que dava altiva para o mar, a imensidão azul ao longe, lindíssima praia, céu de brigadeiro. Era em Valparaíso, vocês não conhecem. Uma penha que dava asco, penhasco, visto de cima um platô que dava exatamente para a água, quase sem praia. Do mar para terra era uma falésia, uma barreira quase intransponível, dificilmente escalável.
- À esquerda descia até o mar muito suavemente, porém era ladeira considerável, muito longa, mais de 200 metros a descer ou a subir na vertical.
- Lá perto do mar ficava a nossa vila, muito aprazível, a areia branquinha constantemente banhada pelas águas do oceano. E mais à esquerda ainda um rio tornando ainda mais ardentes as águas tropicais já de si quentes. Além ficavam os recifes, porisso a água toda era verdinha, havia umas piscinas naturais onde as crianças iam nadar em total segurança, os monstros marinhos mantidos distantes. Bem mais tarde, quando já éramos adultos e pais e mães, as crianças subiam em nossas costas e fazíamos “barquinhos” para elas, que inclusive levaram velas, era super-engraçado. Transportando, seriam os pais e mães de vocês.
PTERONODONTES

- Essas antas, as pteronodantas, os pteronodontes que eram umas antas, meninas e garotos também, pulavam da penedia fazendo “asa delta” e muito raramente um se esborrachava nos recifes cortantes. Depois os idiotas subiam penosamente a escada de pedra se arrastando, débeis mentais, pensar que eu estava no meio deles, quando lembro dá vontade de dar cabeçada na parede.
- EU ESTAVA LÁ, junto com aquelas bestas. Crianças, jamais tentem fazer isso, nem lá do penhasco nem mais de baixo.
- Pois bem, subíamos aqueles 700 degraus, sei lá quantos, nunca parei para contar (alguém da sala falou: 595, profa, vi na Pteronet), obrigado. Então, continuando, lá íamos nós, os coiós, duas, cinco, 10 vezes por dia nos finais de semana, os garotos na frente, nós as bobas seguindo e nos jogávamos lá do alto, nesse dia fatídico morreram cinco na ventania que nos pegou, caídos sobre as pedras, fora os que “voaram baixo” e foram engolidos pelos tubarões, eu mesmo quebrei uma asa e fui das que menos sofreram, ficamos hospitalizados várias semanas.
- Pra mim, nunca mais.
- Ó, eu digo, nunca mais, nem cheguei perto. Uma vez o que é agora meu marido me chamou para ver longe o oceano, aquilo de “vista linda”, quase desfiz o namoro. Nunca mais.
Serra, segunda-feira, 19 de novembro de 2012.
José Augusto Gava.

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