Céulestial
Quando o coisinha chegou ao Céu deparou com uma fila imensa, fila única que não dava para furar, o que era costume dos brasileiros. Nem tinha também atendimento preferencial ou prioritário porque ao morrer as almas não levavam os defeitos terrenos físicos, embora devessem com suas memórias contar elas mesmas seus pecados. Não tinha atendimento especial para grávidas, idosos, deficientes nem nada, porque a constituição do Céu valia mesmo, ao contrário da brasileira (no Brasil poderiam oferecer bancos a essas pessoas, mas optaram por ferir a constituição).
Ficou na fila um tempão. Uma eternidade, mas lá o tempo não contava em relógio. Finalmente foi atendido, quer dizer, quase foi, porque (como já expliquei) sendo horário bancário e tendo terminado as fichas ficou para o dia seguinte. Eles dormiram ali mesmo, bem acomodados nas nuvens.
No dia seguinte, foi o segundo.
- Bom dia, seu anjo.
- Bom dia, Coisinha (já tá tentando agradar pra ver se pega um bom lugar).
- Que é?
- Nada, não.
- E aí, já sabe pra onde vou?
- Bom, já que você tá aqui com certeza já passou pela triagem, não vai nem pro Purgatório nem pro Inferno.
- Certo, muito bom, mas em que pedacinho do Céu eu me encaixo?
- Já que você está dentro dos muros internos, pra periferia do Céu não vai, deve ser um dos bairros dos médio-altos, eu acho.
- E aquela montanha lá?
- Ham. Aquela lá é vedada, coisa do Altíssimo. Lá nas grimpas fica a residência dele.
- Ah, Altíssimo não era só adjetivo?
PORTEIRO (assombradíssimo, erguendo as sobrancelhas acentuadamente) – tá de brincadeira comigo?
COISINHA – não, seu guarda, nem de longe. Então Altíssimo é lá no alto mesmo. E as mais de baixo?
A HIERAQUIA DOS ANJOS
Ministros e chefes de gabinete e coisa e tal.
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PORTEIRO (com desprezo) – nem pensar. Você acha que é só você? Que vai chegar atrasado e já vai pegar janela no ônibus?
COISINHA – não, seu guarda, não quis ofender. O senhor já esteve lá?
PORTEIRO (sonhador) – já. Uma vez só, quando um arquigeneral ia passando e me chamou para levar umas coisas pesadíssimas, ele estava com as mãos desocupadas mas não queria pegar peso. Fui subindo a muito custo, cheguei cansadíssimo, porém eram umas vistas deslumbrantes, coisa de doido, quando conto o pessoal troça. Vistas espetaculares das galáxias mais distantes, os choques de galáxias, os núcleos delas, os buracos negros, estrelas em colapso, supernovas e novas, cefeidas variáreis, pulsares, um assombro mesmo.
COISINHA – poxa, queria poder ver.
PORTEIRO – quer, vai querendo, enfia o dedo no nariz e vai comendo.
COISINHA – poxa, seu guarda, não tem a mínima chance?
PORTEIRO – o que você era na Terra?
COISINHA – político. Mas do bem.
PORTEIRO – existe isso? Político do bem?
COISINHA – existe, sim, senhor, é raro, mas existe, eu sou a prova.
PORTEIRO – pode até ser, eu nunca vi, você é o primeiro, mas até pode ser, Deus tudo pode. Como você pode ver, há outras filas...
COISINHA – dá um jeitinho... Quebra o meu galho.
PORTEIRO – você é brasileiro mesmo, hem? Quem quebra galho é macaco gordo.
Serra, segunda-feira, 17 de dezembro de 2012.
José Augusto Gava.
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