Propaquanto, a Arma do Negócio
O professor entrou esfuziante na sala de aula, classe de corretores imobiliários, alguns deles veteranos.
- Bom dia, classe.
QUASE TODOS – bom dia, professor.
- Hoje vamos simular um anúncio de venda.
ALUNO-CORRETOR – há preferência de veículo, professor?
PROFESSOR (satisfeito de a pergunta ter sido feita) – depois trataremos do assunto, seu João, sua pergunta foi muito oportuna.
JOÃO (satisfeito por sua cutucada de denguinho, de peixinho do chefe ter dado certo) – agradecido, professor.
RAFA (baixinho) – puxa saco de merda.
PROFESSOR (aborrecido) – que foi, seu Rafael?
RAFA (amortecendo) – nada, professor, um comentário entre amigos, estava elogiando.
PROFESSOR (andando pela sala, com as mãos às costas, peito estufado) – então, o que temos, qual o caso real?
ALUNA – grotão.
PROFESSOR – coloca “podendo desenvolver atividades espeleológicas”.
ALUNA – fim de estrada, sem asfalto.
PROFESSOR (meditando) – coloca “apartado das preocupações urbanas, estrada natural”.
ALUNO – mata devastada.
PROFESSOR– reserva legal em recuperação para atingir o clímax.
MESMO ALUNO (virando pro lado) – ele é ótimo, né?
PROFESSOR (cortante, mas já memorizando para dar uma nota maior a ele) – não bajula, não, senhor Jara, ainda há uma prova pra fazer.
JARA – sem dúvida, professor, espero corresponder.
Professor aponta.
- Senhor Jove.
JOVE – plantação de café com mais de vinte anos.
PROFESSOR – café robusto, sem agrotóxicos, natural necessitando de recuperação.
JOVE – mas, professor, café é sempre natural, não tem artificial.
A turma gelou, as cadeiras se afastaram de Jove.
PROFESSOR – certo, senhor Jove, mas são as palavras, entende? Light aumenta 20 % do preço, Diet aumenta 50 %. “Catado com as mãos” mais 20 %. Artesanal outros 30 %. Feito especialmente para você mais 15 %. O senhor é novo por aqui? (Já sabendo que era, só para diminuí-lo).
JOVE (compreendendo a gafe) – sou, sim, senhor, primeira freqüência.
PROFESSOR (depreciativo) – vocês tentem ajudar o senhor Jove.
Apontou outro aluno.
- Senhor Jessé.
JESSÉ – cinco alqueires.
PROFESSOR – coloque 20,0 hectares ou, melhor ainda, perto de 200 mil metros quadrados.
Aponta.
ALUNO – 850 metros de altitude, bem frio.
PROFESSOR – terceiro melhor clima do mundo, a nobreza da região serrana em seu maior esplendor. Vista para a Pedra Sul.
ALUNO – casa de quatro quartos, com casa de caseiro.
PROFESSOR – espetacular residência com residência para administrador. Como era e como ficou?
A ARTE DO NEGÓCIO
ANTES
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DEPOIS
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Grotão, fim de estrada, sem asfalto, mata devastada, plantação de café com mais de vinte anos, cinco alqueires, 850 metros de altitude, bem frio, casa de quatro quartos, com casa de caseiro.
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Podendo desenvolver atividades espeleológicas, apartado das preocupações urbanas, estrada de cascalho, reserva natural em recuperação para atingir o clímax, café robusto, sem agrotóxicos, natural, necessitando de recuperação, perto de 200 mil metros quadrados, terceiro melhor clima do mundo, a nobreza da região serrana em seu maior esplendor. Vista para a Pedra Sul. Espetacular residência com casa para administrador.
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PROFESSOR (empina o peito) – quanto o proprietário estava pedindo?
ALUNA – 170 mil.
PROFESSOR – e agora, senhor Jove?
JOVE (envergonhadíssimo perante a sala) – no mínimo 800 mil, professor.
Serra, segunda-feira, 08 de julho de 2013.
José Augusto Gava.
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