Saturday, September 07, 2013

Teosofone IV - Teolegrama (telegrama) (da série Ah Se Eu Te Conto)

Teosofone IV – Teolegrama

Gordon abandonou de vez os telefones de linha, os celulares, o Skype e tudo que potencialmente trouxesse a ele aquela voz. Tornou-se um recluso, na medida em que ainda tinha de ir trabalhar, a aposentadoria ainda demoraria 20 anos. Não andava nas calçadas nem muito menos ia a lugares muito freqüentados com medo de alguém estender a mão com celular e dizer: “parece que alguém sabe seu nome e quer falar com você”. Ele estremecia só de pensar.
Apesar de tudo, o pessoal gostava dele, todos aqueles que junto com ele torturavam os iraquianos e também o pessoal do Clube do Rifle, a turma de batedores (que batiam) da adolescência, todos ainda se lembravam dele com saudades, a turma do Clube de Tiro, o pessoal da Academia de Boxe da rua Três e assim por diante, todos vinham visitar, mas Gordon estava cada vez mais acabado depois que Deus o pegara três vezes. Ele arrancara e queimara o telefone de linha, jogara o celular na lagoa e o computador pela janela, sendo advertido pela prefeitura, que enviou os guardas para conversar com ele.
Vivia tendo sustos.
No trabalho não atendia telefone diretamente nem por reza brava e quando alguém atendia e lhe passava ele mandava perguntar se era Deus; como Deus não mentia, se dissesse que não era, tava garantido e se dissesse que era ou era mesmo ou era gozador e ele não atendia.
Não assistia TV há várias décadas, desde quando tinha sete anos e se sentiu traído com a renúncia de Nixon (o pai disse, “sujeito fraco, era só continuar mentindo, alegar privilégios, essas coisas”). Nunca mais vira, tinha nojo.
Rádio não ligava. Lia livros, revistas, jornais.
O carteiro gritou: “telegrama para seu Gordon”.
Ele foi e pegou, palavras impressas.
Quando abriu tomou outro choque, o telegrama começou a falar com ele.
- Oi, Gordon, fugindo de mim?
- Que artifício mais sujo. Larga eu, caramba!
- Poxa, Gordon, é só um papo amigável, vai ser bom pra sua vida.
GORDON (resmungando) – quem sabe o que é bom pra mim sou eu.
DEUS (amistoso) – Gordon, meu santo, fica frio.
- Fico frio uma droga. Você me aluga dias e dias.
- É, mas é como se fosse minutos, não notam sua falta no serviço, nem nada.
- Eu sinto, tá bom? Estou uma pilha de nervos.
-É porque você resiste...
- Você quer reformar minha vida, eu não quero ser reformado, nem sou mais militar.
- Gordon, Gordon..., seja mais cooperativo.
- Não tenho de ser cooperativo coisa nenhuma, você mesmo falou que tem de respeitar o livre-arbítrio.
- Para acabar com o livre-arbítrio eu teria de acabar com todo o projeto.
- Então posso decidir por conta própria?
- Certo, pode.
- Você não vai interferir?
- Não.
Gordon entrou em casa, o teto desabou, caiu uma viga na cabeça dele, ele morreu. Não foi para o inferno, como deveria ter acontecido porque Deus mexeu os pauzinhos e ele voltou um segundo depois, com todas as memórias do que tinha acontecido.
- Certo, o que você quer?
- Gordon, é o seguinte, tenho uma missão pra você...
Serra, terça-feira, 18 de dezembro de 2012.
José Augusto Gava.

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