Sunday, September 01, 2013

Dantetivesco (da série Ah Se Eu Te Conto)

Dantetivesco

Naquela grande metrópole (mais de 20 milhões de prisioneiros), a Chefia de Polícia tinha dividido os detetives e seus acólitos em três grupos:
·         grupo do Céu (classes A/B);
·         grupo do Purgatório (classe C);
·         grupo do Inferno (classes D/E).
Os do GC eram as florzinhas engravatadas e as mulheres de saia justa e terninho, todos intelectuais educadíssimos, graduados com mestrado e doutorado, falando duas ou três línguas, ou mais, que “sabiam conversar” com os ricaços e não causavam problemas ao comandante, tipo chamadas pelo prefeito ao gabinete dele.
Os do GP eram os durões, que “endureciam sem perder a ternura” na hora de fazer carinho, quer dizer, não batiam com as costas das mãos, porque dói muito, batiam com a parte macia de dentro, a palma da mão, e depois pediam desculpas (sem muito floreio que é pra não deixar abertura de amizade).
Os do GI eram os truculentos chamados de bois, bisões e búfalos; as mulheres eram “tudo vaca”, no dizer deles, e elas gostavam. Batiam com os nós dos dedos, dando “croques” no pé da orelha ou atrás da nuca, ou pescotapas bem assentados, no que eram aplaudidos pelos colegas (Iêba! Valeu!), ainda mais quando os beneficiados diziam “puxa, doutor, essa doeu” – aí é que eles caíam na gargalhada. “Vem cá,denguinho, pra eu fazer mais agrado”.
No conjunto eles eram chamados de “dantetivescos”, os detetives-de-Dante, que era o nome do coman-dante; e devido também à particular arrumação dele, que andara lendo o homônimo italiano na infância.
O GI tinha um repórter, taquígrafo que anotava tudo para depois rirem de noite, ao voltar ao quartel. Ele passava a limpo, com as interjeições e os gemidos, os risos, as imprecações, os palavrões cabeludos de homens e mulheres, todo o chororô que, claro, permitiam que eles gargalhassem tarde da noite. Um prazer adicional, como se a profissão em si já não fosse boa – um bônus, vamos dizer assim.
Os das delegacias vizinhas viviam pedindo cópias. Aí é que aconteceu o problema, porque nisso de enviar os papéis (que eles não eram doidos de colocar por e-mail), a agenda caiu no caminho, foi achada e entregue a um repórter, enxerido fidaputa que publicou a merda toda. SE não fosse a criatividade do Geraldo ter dito em cima da hora que ele estava querendo escrever livro, tendo inventado tudo, inclusive com os nomes de pessoas da “vida real”, o troço teria fedido. Depois disso o GP e inclusive o GC quiseram ser nomeados, mas não teve jeito, o comandante foi inflexível, porque o material também desopilava a ele. Se as pessoas da “vida real” reclamaram? Uma meia dúzia, eu acho, nem lembro, até foi motivo para mais diversão, foi mais uma seção divertida. Juntamos todos numa sala e pedimos desculpas com todo respeito. E depois caímos na gandaia, foi bem divertido, fiquei leve umas três semanas. E o Geraldão anotando tudo.
Serra, sexta-feira, 12 de julho de 2013.
José Augusto Gava.

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