Teosofone II
O celular de Gordon tocou.
- Alô?
- Alô, Gordon, como vai o seu dia?
Gordon gelou, mas tentou pensar que não era.
- É você, Phil?
- Não, Gordon, sou eu.
- Dennis? (Gordon não queria aceitar de jeito nenhum).
- Não, Gordon, sou eu, Eu Sou, entende?
- Eu Sou, que tipo de nome é esse?
- Bem, me apresentei assim pros judeus porque, você sabe, não tenho nome. Os árabes, que são meus fãs incondicionais, me deram um monte de nomes, a começar de Alá, mas na realidade não tenho nome, sou sozinho, não tenho pai nem mãe, sou órfão de pai e mãe. É um pouco imodesto, eu sei, mas fazer o quê? Onipotente significa toda potência, onividente é toda vidência, onisciente é toda ciência, essas coisas. Um prefixo, omni, que significa tudo. Já os hindus me deram 360 milhões de nomes. Cada povo pensa uma coisa, é um horror, às vezes me distraio e a pessoa fica falando sozinha.
- Tá, tá, já entendi. O que você quer?
- Conversar, Gordon.
- Mas você não falou que não gostava de celular?
- Falei, mas tive de comprar um. Vou falar logo, você foi meio-malcriado, Gordon, arrancou o de linha com tudo e tocou fogo, eu vi tudinho. E você não chega nem perto de telefone de linha, nem no serviço, nem na casa dos amigos...
- Como você descobriu meu número?
- Ô, Gordon, onisciência, esqueceu? Sei de tudo, Gordon.
- Tá, arranquei, mas você me alugou SEIS DIAS direito, sem dormir nem ir ao banheiro nem beber água, nem fazer cocô, nem nada.
- Certo, mas você não sentiu sede, nem vontade de ir ao banheiro fazer as necessidades e eu proporcionei uns quitutes bem legais procê, inclusive champanhe, esqueceu?
- Certo, mas seis dias tá demais, né?
- Bem... é a eternidade, compreende?
- Tá bom, tá bom. Droga.
- Gordon, não resmunga que isso me ofende, até parece que você tá fugindo de mim! Quem olha assim pode pensar que você está tentando escapulir, se esconder.
- O que foi agora?
- Olha os planos que eu fiz para um planeta lá pelas bandas da Cefeida em M100. Tudo rasinho, igual lá na Grande Barreira de Corais da Austrália. O planeta inteiro! Gostou? Modéstia à parte eu que construí. Ficou lindinho, não é? Olhe esses detalhes, essas cores, tá demais. Sinto falta da Maria.
VARIÁVEIS CEFEIDAS
- Vem cá, não sou astrônomo, mas cefeídas não são extremamente energéticas?
- São, mas tenho certos privilégios, né?
A GRANDE BARREIRA DE CORAIS
- E o planeta todinho vai ser só procê?
- É, como os ricos eu me contento com pouco, mas depois que eu usar posso ceder pra você uns anos na baixa estação.
- Ôba, vou levar minhas pranchas de surf. Posso levar umas gatinhas...
- Pode. Agora, Gordon, olhe só o que planejei...
Serra, segunda-feira, 17 de dezembro de 2012.
José Augusto Gava.
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