Teosofone
O telefone tocou, era daqueles de linha.
- Alô?
- George.
- Sim, sou eu. Quem fala?
- É Deus.
- Deus? Que Deus?
- Deus. Só existe um. O resto é pesadelo da humanidade. Doideira.
- Deus?
- É, Deus. Você é lento, né?
- Deboche, não. É você, Gordon? Tá me zoando, seu puto?
- George, presta atenção: é Deus falando.
- Taylor, seu corno, não adianta disfarçar a voz, é você, seu safado.
George sentiu uma pontada na perna, parecia que um nervo tinha estourado.
- Ui.
- Sentiu? Fui eu.
- Se não é o Gordon, se não é o Taylor, só pode ser o Preston. Ó, se você se juntaram para me gozar vou pegar um por um, esperem aí, seus porras.
- Gordon. Lembra-se daquela vez no Iraque que você torturou o rapaz, estava sozinho na sala.
- Podiam estar me filmando.
- E aquela vez que você tava roubando maçãs na macieira do vizinho quando era criança, você e o Robert?
- Ah, é você, Bob, seu viadinho...
- George. Lembra quando você fraudou o IR?
- Droga, fui pego pelos fiscais, que cagada.
- Não, George.
O dedão do pé de George torceu inexplicavelmente e ficou a 90º do lado do pé.
- Uiiiii, que titica. Que foi isso?
- Não foi “isso”, George, fui eu.
- Eu, quem?
- Eu, George, Deus.
- Por quê Deus falaria comigo e ainda por cima pelo telefone e telefone de linha?
- Sou tradicionalista, ainda não acostumei com isso de celular e mandar email. Demorei mais de 10 anos para conseguir enviar o primeiro, isso é coisa do diabo, principalmente o Facebook. Talvez já esteja na hora de acabar com a Terra de novo, vou pensar.
- Vamos dizer que você fosse Deus. Por quê eu, por quê agora?
- Bem, George, modesto não sou, minha perfeição me impede de mentir: porque eu quero, só porisso. Onipotência é isso. Onipotência é não ter oposição, não existe candidatura ao cargo, entende?
- Certo, vamos dizer que sim, qual o recado?
- Nada, George, só queria conversar. Como vai a vida?
- Vai me alugar só para conversar? Vou desligar.
- Não desligue, não, George.
Nisso cai uma orelha de George.
- Uiiiiiiii, tá sangrando.
Imediatamente para de sangrar, a orelha volta como se não tivesse sumido, mas George sente a dor só para lembrar.
- Tá legal, vou ter de ouvir. Por quê você quer conversar comigo?
- A eternidade é muito longa, George...
Serra, terça-feira, 11 de dezembro de 2012.
José Augusto Gava.
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