Saturday, September 07, 2013

Você Vai Morrer (da série Ah Se Eu Te Conto)

Você Vai Morrer

- Esse cara chegou perto de mim na praça e falou assim, de súbito: “você vai morrer”. Tomei um susto, meu coração quase parou. Ficou aceleradíssimo, tive de sentar no banquinho e ficar parado por pelo menos uns 10 minutos. Um assassino! Coloquei a cabeça entre as pernas até o coração voltar ao normal. Quando olhei, ele estava ali, fiquei pensando <é agora, meu Deus, esse cara vai me matar bem aqui na frente de todo mundo>.
- Matar não matou, você está aqui contando.
- Na hora, né, a gente não raciocina: que se ele quisesse mesmo me matar, mataria até sem falar.
- Qual era a dele?
- Depois que passou o susto fiquei bravo, recuperei a compostura e perguntei isso mesmo: “qual é a sua, cara?”
- E ele?
- “Não demora muito você vai morrer!”, o fidaputa.
- Como assim?
- Foi isso mesmo que perguntei.
- Ele disse “ué, algum dia você vai morrer, pode ser daqui a muito tempo, 60 anos, mas vai morrer, todos nós morreremos”.
- Lá isso é.
- Já que ele não era hostil, entabulamos conversação. Citou Clarice Lispector: “vou lhe contar um segredo, a vida é mortal”.
- Sabedoria pura.
- Pois é. Depois ele falou que a gente deixa o tempo passar e não presta atenção a nada, nem ao portento do universo, nem a toda a beleza da Terra, nem às mínimas alegrias, só pensamos em “grandes coisas”, riqueza, poder, fama, beleza, quando tudo já está aí diariamente. Pense bem, ele disse, que cada manhã “inaugura um dia novinho em folha”, como diz a música. Concordei.
- É mesmo, fazemos os pedidos mais descabidos. Uma vez vi num filme um jardineiro japonês dizer: “às vezes o que a gente tem é melhor do que o que a gente quer ter”.
- Pura verdade. Depois passei a meditar muito. Às vezes coloco uma cadeira diante de uma árvore e fico ali horas pensando no que ela é. Ou quando vou à praia, todo mundo sai correndo, fico pensando em tudo que o Oceano é, pesquisei na Internet, é um assombro. Pé de amendoim. Trigo. Milho: um grão dá um pé, que dá várias espigas. 100 grãos-pés dão para uma família comer um ano inteiro, quase. E os coqueiros? Tudo dele se aproveita e, como alguém disse, se você naufragasse e fosse parar sozinho numa ilha com coqueirais, conseguiria sobreviver sem enfraquecer nem nada. Pensei, pensei e pensei e cheguei à conclusão de que ele estava certo: um dia vou morrer. Compreendi. E agora sigo o programa dele, abordo as pessoas, algumas não entendem, até já apanhei, mas sigo em frente.
- Posso me juntar a você?
Serra, sexta-feira, 05 de julho de 2013.
José Augusto Gava.

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