A Mulher Aranha (da série Conto N'Ato)

A Mulher Aranha

Não se tratou de discriminação aquela evidenciação do Homem Aranha, pois homem é mais folgado mesmo, não trabalha tanto quanto a mulher. Foi ele que apareceu, e não ela. Sem falar que poderia ter conotação sexual, por causa de “aranha”, que na gíria brasileira é outra coisa.

Foi mais porque com aquele monte de fio da teia ele vez dela ficar balangando entre os prédios, ela parava para tecer e tecia e tecia e tecia, e os bandidos fugiam, garbos e satisfeitos, os indecentes e imorais.

AS TEIAS DA ARANHA

teias mesmo Percebeu o entrelaçamento? Está um pouco desconforme, foi no início.	CROCHÊ Uma saída de banheiro, tão gracinha.
TRICÔ Gostou do modelito?	MACRAMÉ Uma bolsa, linda, linda.
TAPETES Deu um trabalho, ocupou mesmo, acho que foi no dia que não conseguir socorrer as vítimas da enchente.	CORDAMES Fiz de naylon, as cordas deram equilíbrio ao conjunto, ficou uma beleza, pro filho de dona Zelda.

Distração, fazer o quê?

Uma teia boazinha ali bem à mão iria ser desperdiçada?

E as famílias todas necessitadas?

A Aranha lembrava-se da dona Dalva, que precisava de uma capa de bujão de gás, um protetor de lixo do banheiro; da dona Sílvia, com os tapetes desgastados; do seu Roxo (era apelido, nem vou contar por quê) com suas casinhas de passarinhos sem cobertura, tadinhos; da dona Elmira sem a cobertura de fogão, sem puxador de geladeira.

Sem falar nos bicos para complementar renda.

Sem falar também nas simetrias e nas arrumações todas, quem aguenta ver teia desarrumada?

Ela estava voando atrás dos meliantes e batia aquela compulsão de ajudar, de contribuir de alguma forma para a felicidade geral, o que vinha da caverna; ela era obrigada a parar. Parava. Depois via que o bandido tinha escafedido.

Também acontecia de ela ficar com dózinha dos crápulas, aqueles safados, tão tadinhos, precisados de carinho, como bater, como prender, como impedir que eles levassem as coisas para casa, talvez uma criança estivesse precisando de leite, a vovozinha necessitada do remedinho, meu Deus, como as pessoas sofrem – se ela tinha algum trocado, ela dava, até ajudava a levar o produto do roubo se fosse muito pesado.

A vida é muito dura para muita gente, sabia?

Em resumo, fracasso.

Se pelos menos fosse com arco e flecha como o Arqueiro Verde...

Serra, sexta-feira, 23 de novembro de 2012.

José Augusto Gava.