Friday, November 29, 2013

Do Outro Lado do Espelho (da série Cometários)


Do Outro Lado do Espelho

 

As mulheres já estavam bem bêbadas quando cheguei, sentadas à mesa grande no fundo do corredor que dava para a rua, onde se situava a mureta com flores.

Matilde, muito alterada, quase gritava para um homem que passava, gesticulando muito.

- Ei, gostosão, vem fazer neném em mim.

Débora se intrometeu.

- Pôrra, Mati, olha o linguajar, há senhores no bar, com crianças e tudo.

- Débora, vá se catar, merda.

Jussara meteu o bedelho.

- Matilde, é porisso que a gente não te chama pra sair, você é muito escandalosa, vê se respeita o marido das outras. Há senhores idosos aqui, caramba. Uma hora dessas você vai virar pasta e ninguém vai te socorrer.

- Jussara, vá-te catar, caralho.

Nisso Matilde, que estava próxima da mureta, cuspiu uma “ostra” pro lado de fora, quase acertando o pé de um homem que ia passando, o qual encolheu a perna de susto.

- Fiu, fiu, fez ela. Vem com a mamãe, querido.

Renata coçou a virilha e soltou um arroto.

- Vamos contar piada que é melhor.

Maria tirou o corpo fora.

- Se forem piadas ofensivas aos homens, passo, já tô cheia disso.

- Então vai ser o quê, tá se doendo por eles?

- Tô sim, e daí? A vida deles é muito sofrida. Agora que estão trabalhando fora, a jornada é quádrupla: tarefas do lar, em algum emprego para aumentar a renda da família, cuidar das crianças e forufar, que todo mundo gosta, né, quem vai passar sem isso? Com tanto trabalho o meu tá sempre com enxaqueca. Coloque-se no lugar deles...

Renata zombou.

-- Hem, hem, hem, coitadinhos. No fundo eles gostam.

Maria chegou a dar um salto da cadeira.

- Gostam o caralho, quem pode gostar de uma coisa dessas? Você fala isso porque chega do trabalho, encontra as crianças vindas da escola, de banho tomado, roupinha passada (isso depois do trabalho fora do lar), comidinha pronta, só quer saber de tirar a roupa do seu marido e trepar, trepar. Ele conta para o meu, sabia?

Jerusa apoiou.

- Vou encher ele de porrada.

- Olha a Lei Mário de Penha.

Márcia se intrometeu.

- Olha, Renata, se ele for à Delegacia do Homem, você vai se fuder do primeiro ao quinto.

- Tô nem aí.

- Vai pegar de dois a cinco anos (nem com fiança altíssima, não existe). Annette tá presa, sabia?

- É?

- É, inafiançável. Sem falar que ele pediu divórcio e levou os filhos, ela tá doidinha. Ele foi pra casa do pai.

Janete, que estava calada até agora e era aquela mulher 2 x 2 das lendas, deu um tapão na cabeça da Renata.

- É, sua jumenta, é sim.

- Poxa, Jane, esse doeu.

- E se você não calar a boca vou dar outro, seu cocô.

- Calma, meninos, disse Réia, apaziguadora.

Marina gritou para dentro do bar.

- Ei, moção, cadê nossas cervejas? Alguém vai querer umas cachaças? Uísque. Vou trepar muito doidona hoje.

Matilde, calada há algum tempo, deu mais uma agulhada.

- A Maria é defensora dos homens fracos e oprimidos porque anda ciscando por aí, pula a cerca toda semana e quer fazer média com o maridinho, pensa que eu não sei?

Maria empurrou a cadeira para trás e saltou para frente, querendo pegar a Matilde, mas o mãozão da Janete parou-a no ar.

- Vocês não vão estragar nosso encontro nem por reza brava, seus cocos de cavalo, vou quebrar os narizes das duas.

Jerusa, que gostava de mostrar os peitos e tinha a camisa aberta até o terceiro botão, coçou-os, aproveitou e desceu a mão para dar aquela coçada na virilha.

Marina não se conformava.

- A moção sumiu, essa vaca. Ei, moção, cadê nossas cervejas? E os salgadinhos e os caranguejos e a moqueca? Nunca mais venho nessa porra de bar, muito família pro meu gosto, muitos homens, muitas crianças, a gente nem pode gritar. Vai tomar no cú.

- Por que você não se levanta e vai lá?

- Se eu for lá vou dar uma porrada nela.

- Vai nada, você só ameaça, já te conheço.

- Pede mais pão.

- Pede você.

- Jerusa, conta aquela que você comeu o marido da tua amiga e ela saiu correndo atrás de você, você tropeçou, ela te deu um chute.

- Tá, eu conto, mas só se você contar da vez que marcou encontro no bar da Zefa, chegou lá era o marido da sua prima.

[nisso degenerou em gritaria, cada qual acusando a outra de ter papado algum marido e não consegui gravar mais nada].

Serra, terça-feira, 09 de agosto de 2011.

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