Do
Outro Lado do Espelho
As mulheres já estavam bem bêbadas
quando cheguei, sentadas à mesa grande no fundo do corredor que dava para a
rua, onde se situava a mureta com flores.
Matilde, muito alterada, quase
gritava para um homem que passava, gesticulando muito.
- Ei, gostosão, vem fazer neném em
mim.
Débora se intrometeu.
- Pôrra, Mati, olha o linguajar, há
senhores no bar, com crianças e tudo.
- Débora, vá se catar, merda.
Jussara meteu o bedelho.
- Matilde, é porisso que a gente não
te chama pra sair, você é muito escandalosa, vê se respeita o marido das
outras. Há senhores idosos aqui, caramba. Uma hora dessas você vai virar pasta
e ninguém vai te socorrer.
- Jussara, vá-te catar, caralho.
Nisso Matilde, que estava próxima da
mureta, cuspiu uma “ostra” pro lado de fora, quase acertando o pé de um homem
que ia passando, o qual encolheu a perna de susto.
- Fiu, fiu, fez ela. Vem com a
mamãe, querido.
Renata coçou a virilha e soltou um
arroto.
- Vamos contar piada que é melhor.
Maria tirou o corpo fora.
- Se forem piadas ofensivas aos
homens, passo, já tô cheia disso.
- Então vai ser o quê, tá se doendo
por eles?
- Tô sim, e daí? A vida deles é
muito sofrida. Agora que estão trabalhando fora, a jornada é quádrupla: tarefas
do lar, em algum emprego para aumentar a renda da família, cuidar das crianças
e forufar, que todo mundo gosta, né, quem vai passar sem isso? Com tanto
trabalho o meu tá sempre com enxaqueca. Coloque-se no lugar deles...
Renata zombou.
-- Hem, hem, hem, coitadinhos. No
fundo eles gostam.
Maria chegou a dar um salto da
cadeira.
- Gostam o caralho, quem pode gostar
de uma coisa dessas? Você fala isso porque chega do trabalho, encontra as
crianças vindas da escola, de banho tomado, roupinha passada (isso depois do
trabalho fora do lar), comidinha pronta, só quer saber de tirar a roupa do seu
marido e trepar, trepar. Ele conta para o meu, sabia?
Jerusa apoiou.
- Vou encher ele de porrada.
- Olha a Lei Mário de Penha.
Márcia se intrometeu.
- Olha, Renata, se ele for à
Delegacia do Homem, você vai se fuder do primeiro ao quinto.
- Tô nem aí.
- Vai pegar de dois a cinco anos (nem
com fiança altíssima, não existe). Annette tá presa, sabia?
- É?
- É, inafiançável. Sem falar que ele
pediu divórcio e levou os filhos, ela tá doidinha. Ele foi pra casa do pai.
Janete, que estava calada até agora
e era aquela mulher 2 x 2 das lendas, deu um tapão na cabeça da Renata.
- É, sua jumenta, é sim.
- Poxa, Jane, esse doeu.
- E se você não calar a boca vou dar
outro, seu cocô.
- Calma, meninos, disse Réia,
apaziguadora.
Marina gritou para dentro do bar.
- Ei, moção, cadê nossas cervejas?
Alguém vai querer umas cachaças? Uísque. Vou trepar muito doidona hoje.
Matilde, calada há algum tempo, deu
mais uma agulhada.
- A Maria é defensora dos homens
fracos e oprimidos porque anda ciscando por aí, pula a cerca toda semana e quer
fazer média com o maridinho, pensa que eu não sei?
Maria empurrou a cadeira para trás e
saltou para frente, querendo pegar a Matilde, mas o mãozão da Janete parou-a no
ar.
- Vocês não vão estragar nosso
encontro nem por reza brava, seus cocos de cavalo, vou quebrar os narizes das
duas.
Jerusa, que gostava de mostrar os
peitos e tinha a camisa aberta até o terceiro botão, coçou-os, aproveitou e
desceu a mão para dar aquela coçada na virilha.
Marina não se conformava.
- A moção sumiu, essa vaca. Ei,
moção, cadê nossas cervejas? E os salgadinhos e os caranguejos e a moqueca?
Nunca mais venho nessa porra de bar, muito família pro meu gosto, muitos
homens, muitas crianças, a gente nem pode gritar. Vai tomar no cú.
- Por que você não se levanta e vai
lá?
- Se eu for lá vou dar uma porrada
nela.
- Vai nada, você só ameaça, já te
conheço.
- Pede mais pão.
- Pede você.
- Jerusa, conta aquela que você
comeu o marido da tua amiga e ela saiu correndo atrás de você, você tropeçou,
ela te deu um chute.
- Tá, eu conto, mas só se você
contar da vez que marcou encontro no bar da Zefa, chegou lá era o marido da sua
prima.
[nisso degenerou em gritaria, cada
qual acusando a outra de ter papado algum marido e não consegui gravar mais
nada].
Serra, terça-feira, 09 de agosto de
2011.
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