Tuesday, November 05, 2013

Queimando os Bárbaros (da série Expresso 222..., Livro 5)


Queimando os Bárbaros

 

                        David A. Wilson, no extraordinário livro A História do Futuro (o que há de verdade nas mais famosas profecias e previsões), Rio de Janeiro, Ediouro, 2002, p. 133 e ss, fala de Louis-Sebastian Mercier, que nasceu em 1740 e em 1771, às vésperas da Revolução Francesa, publicou um livro, L’An 2440 (O Ano 2440, não traduzido, acrescentando 700 anos à data do seu nascimento). Como mostra o autor, até agora as previsões parecem todas erradas.

                        No seio do livro o Mercier propõe a queima de todos os livros considerados impróprios, colocando em teoria o que outros já praticaram à farta, inclusive o desastrado Sultão Suleiman, que queimou os preciosos livros da Biblioteca de Alexandria, o idiota. Inclusive Hitler e sua gangue, e outros.

                        À parte o horror que isso nos causa sentimentalmente, vamos analisar a dialógica (lógica-dialética) da coisa toda.

                        Suponhamos que temos 100 %, que sempre estão em soma zero 50/50, ∑ = 0 = 50 – 50. Imaginemos eliminar os 50 % “errados”, os opostos ou contrários (que são complementares também, o modelo mostrou claramente), sobrando 50 % “certos”. Mas, como a coisa toda é estatística, esses 50 % na realidade passam a ser 100 %, dos quais 50 % estão evidentemente “errados” – os eliminamos também, restando 25 % = 100 %, pois é a totalidade que sobrou. Mais uma vez vamos procedendo aos cortes e assim sucessivamente, de modo que assintóticamente vamos nos aproximando do zero (evidentemente sem nunca chegar a ele). Se for gente a população decresce até quase ninguém sobrar, e se forem livros da mesma forma. Aliás, será assim com tudo, porque os que restam imprimirão sempre o mesmo julgamento. Foi porisso que a Revolução Francesa, começando a matar gente, foi eliminando cada vez mais indivíduos PORQUE o julgamento se torna cada vez mais duro e impiedoso, até tudo ruir e voltar ao antigo regime. Do mesmo modo na Revolução Soviética, e será sempre assim quando as pessoas esquecerem-se de que não podem julgar os outros.

                        Pelo lado da emoção é terrificante só de imaginar as fogueiras da perdição, e pelo lado da razão é ilógico.

                        Quando estamos perseguindo e queimando os bárbaros é a nós mesmos que estamos ferindo logo mais à frente. Quando Suleiman queimou os livros ele queimou o próprio futuro da civilização de fundo árabe, pois não havia mais contrastes com o qual pelejar em busca de esclarecimento. Quando os conjuntos rejeitam os problemas eles não encontram as soluções e começam a morrer. A civilização árabe entrou num beco sem saída, do qual nunca mais se recuperou. O mesmo iria acontecer com Hitler e seus bandidos, se eles tivessem sobrevivido – felizmente desapareceram quase todos.

                        Bertoldt Brecht falou disso numa passagem memorável, a do cara que se ausenta dos problemas da vizinhança e que eu já citei tantas vezes. Quando queimamos os bárbaros é a nós mesmos que estamos queimando. Estamos assando as bruxas e os bruxos que nós somos na piras ardentes da Inquisição (a católica foi terrível, porém a protestante foi mais vil ainda).

                        Vitória, segunda-feira, 22 de julho de 2002.

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