Queimando
os Bárbaros
David A. Wilson, no
extraordinário livro A História do
Futuro (o que há de verdade nas mais famosas profecias e previsões), Rio de
Janeiro, Ediouro, 2002, p. 133 e ss, fala de Louis-Sebastian Mercier, que
nasceu em 1740 e em 1771, às vésperas da Revolução Francesa, publicou um livro,
L’An 2440 (O Ano 2440, não traduzido, acrescentando 700 anos à data do seu
nascimento). Como mostra o autor, até agora as previsões parecem todas erradas.
No seio do livro o
Mercier propõe a queima de todos os livros considerados impróprios, colocando
em teoria o que outros já praticaram à farta, inclusive o desastrado Sultão
Suleiman, que queimou os preciosos livros da Biblioteca de Alexandria, o idiota.
Inclusive Hitler e sua gangue, e outros.
À parte o horror que
isso nos causa sentimentalmente, vamos analisar a dialógica (lógica-dialética)
da coisa toda.
Suponhamos que temos 100
%, que sempre estão em soma zero 50/50, ∑ = 0 = 50 – 50. Imaginemos eliminar os
50 % “errados”, os opostos ou contrários (que são complementares também, o
modelo mostrou claramente), sobrando 50 % “certos”. Mas, como a coisa toda é
estatística, esses 50 % na realidade passam a ser 100 %, dos quais 50 % estão
evidentemente “errados” – os eliminamos também, restando 25 % = 100 %, pois é a
totalidade que sobrou. Mais uma vez vamos procedendo aos cortes e assim
sucessivamente, de modo que assintóticamente vamos nos aproximando do zero
(evidentemente sem nunca chegar a ele). Se for gente a população decresce até
quase ninguém sobrar, e se forem livros da mesma forma. Aliás, será assim com
tudo, porque os que restam imprimirão sempre o mesmo julgamento. Foi porisso
que a Revolução Francesa, começando a matar gente, foi eliminando cada vez mais
indivíduos PORQUE o julgamento se torna cada vez mais duro e impiedoso, até
tudo ruir e voltar ao antigo regime. Do mesmo modo na Revolução Soviética, e
será sempre assim quando as pessoas esquecerem-se de que não podem julgar os
outros.
Pelo lado da emoção é
terrificante só de imaginar as fogueiras da perdição, e pelo lado da razão é
ilógico.
Quando estamos
perseguindo e queimando os bárbaros é a nós mesmos que estamos ferindo logo
mais à frente. Quando Suleiman queimou os livros ele queimou o próprio futuro
da civilização de fundo árabe, pois não havia mais contrastes com o qual
pelejar em busca de esclarecimento. Quando os conjuntos rejeitam os problemas
eles não encontram as soluções e começam a morrer. A civilização árabe entrou
num beco sem saída, do qual nunca mais se recuperou. O mesmo iria acontecer com
Hitler e seus bandidos, se eles tivessem sobrevivido – felizmente desapareceram
quase todos.
Bertoldt Brecht falou
disso numa passagem memorável, a do cara que se ausenta dos problemas da
vizinhança e que eu já citei tantas vezes. Quando queimamos os bárbaros é a nós
mesmos que estamos queimando. Estamos assando as bruxas e os bruxos que nós
somos na piras ardentes da Inquisição (a católica foi terrível, porém a
protestante foi mais vil ainda).
Vitória, segunda-feira,
22 de julho de 2002.
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