Saturday, November 02, 2013

A Conveniência dos Paradigmas (da série Expresso 222..., Livro 3)


A Conveniência dos Paradigmas

 

                        Embora muitos falem contra os paradigmas, tal como os descreveu Kuhn, eles estão longe de ser tão ruins como se diz. Pelo contrário. Afora durante as revoluções, é excelente que existam mesmo. São a base da evolução, enquanto sua destruição é condição das revoluções. Porém, o mundo não pode ficar em revolução mais que 2,5 % ou 1/40 do tempo, creio eu, ou de outras forma ninguém produziria.

                        Assim sendo, os paradigmas são convenientes, até muito convenientes. Quem pode trabalhar se há permanentemente baderna em toda parte e tiroteio nas ruas? A Ciência e o restante do Conhecimento dificilmente prosperará em tais condições, exceto quando esteja operando o modo revolucionário, ou seja, quando tem significado desobstruir o caminho das teias ou cristalizações, com a proposta de modificações profundas e terminais.

                        Os paradigmas são programas a serem seguidos pela grande maioria. A “pequena maioria” (isso faz sentido, creia, porque a pequena maioria, em geral sufocada, se manifesta nas revoluções, enquanto a grande maioria o faz durante os períodos evolucionários) fica o tempo quase todo abafada, vindo à tona quando o mundo está indo para o buraco, justamente recebendo a missão espinhosa de salvá-lo.

                        A grande maioria não é estúpida, só não sabe tudo. Sabe o lado menor da realidade, porque não pesquisa tão a fundo quanto a pequena maioria, os inconformados. Estando conformada, necessariamente ela está contida na mediocridade, a qual também deve subsistir enquanto não for substituída. Enquanto for útil a mediocridade é que conduz o mundo.

                        A mediocridade paradigmática foi a sabedoria revolucionária de antes; a ortodoxia foi a mais pura heterodoxia antes. Tudo que é comum hoje foi um dia profunda verdade oculta, que lutou tremendamente para vez a luz do Sol, contra as opiniões de quase todos, menos dos revolucionários que as conduziam.

                        E é bom que as posições revolucionárias, antidogmáticas, sejam obstruídas, pois elas devem provar seu valor e utilidade, ou de outro modo a todo instante deveríamos alterar o curso das coisas. Imagine o que seria a todo momento mudar a direção de seis bilhões de pessoas.

                        Não há como, certo?

                        Então, os dogmas ou paradigmas devem existir e até prosperar enquanto não forem fortemente contestados por formas mais avançadas ainda de ver e de proceder.

                        Estão errados os que atacam irrefletidamente os paradigmas. Os modelos ou padrões ou protótipos, os congelamentos são também utilíssimos porque afastam os medíocres da fronteira das discussões. Quão desagradável seria se todos se pusessem a discutir sobre tudo, causando tremenda balbúrdia na linha de frente do trem de ondas das mudanças!

                        É claro que quando a gente fica aborrecida com os paradigmas, já está sendo considerado tudo isso. A reprovação vai para aqueles que podendo estar mais adiante recusam-se a pensar e a avançar, mantendo-se fiéis e superfiéis ao atraso, quando nitidamente está sendo oferecida uma solução melhor, a qual não é vista por falta de um mínimo de audácia.

                        Só estes nos aborrecem.

                        Quanto aos demais, os paradigmas são utilíssimos.

                        Ninguém diria que os brinquedos de crianças não servem só porque já passamos dessa fase.

                        Vitória, quinta-feira, 20 de junho de 2002.

                  

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