Sunday, November 03, 2013

A Língua Não-Portuguesa (da série Expresso 222..., Livro 4)


A Língua Não-Portuguesa

 

                        O que é a língua portuguesa no Brasil?

                        Veja o que diz Marcelo Duarte, no seu livro O Guia dos Curiosos, Brasil, São Paulo, Cia. das Letras, 1999, p. 44/5: “O tupi era uma das 1200 línguas indígenas conhecidas no ano de 1500. (...). O tupi legou cerca de 20 mil palavras ao nosso vocabulário. (...). Hoje restam 177 línguas”.

                        Veja você que perdemos uma riqueza (não é riqueza virtual, recurso por realizar, é riqueza, recurso já realizado) de 1.023 línguas! No entanto, restam 177, o que já é uma vantagem sobre nada ter ou ter tido e tudo perdido.

                        Herdamos 20 mil palavras indígenas. Seria preciso consultar ainda para saber quantas palavras vieram da África, quantas do Oriente (Japão, principalmente), quantas do espanhol, quantas do inglês, quantas de outras línguas. Porque, olhe só, as pessoas têm um conceito errado sobre língua, achando que nossa língua é apenas o português.

                        De modo algum!

                        O português é a nossa língua oficial, apenas. Todos os milhares de línguas são nossos. Perder uma só que seja é empobrecer.

                        Agora, veja só como o português de Portugal, fechado num país muito menor, deixou de crescer só das línguas indígenas 20 mil variedades, fora as outras. As línguas são pessimamente estudadas. Dão a elas pouca atenção, relativamente. O resultado é essa pobreza que temos, de o estudo do português-brasileiro ser considerado uma inconveniência para os alunos. O português do Brasil continua a ser enriquecido todo ano com novas palavras vindas de outras línguas, com gírias novas e com o progresso de outras línguas do mundo inteiro.Não é formidável?

                        Então, a língua não-portuguesa também é portuguesa. Na medida que os outros crescem eu também cresço. Como o mundo seria se cada um crescesse só de si e não dos outros? Incomparavelmente menor. Conseqüentemente nós crescemos no crescimento alheio e vice-versa.

                        Resulta que devemos celebrar o trabalho alheio em toda parte do mundo, porquanto nele estamos sendo dilatados, aumentados, acrescidos.       Disso vem que, para estudar a língua portuguesa no Brasil, devemos estudá-la em todos os países da comunidade lusófona e a seguir em todo o mundo, em especial nas línguas aparentadas: o castelhano, as línguas latinas, as línguas arianas e depois as demais, em círculos crescentes.

                        Pense só que visão tão mais ampla!

                        Com isso só nos vem a alegria, a vibração, a exultação, o contentamento de ter à nossa frente, à nossa disposição uma riqueza tão maior quanto maior se torne a nossa percepção dela, em particular a percepção da Língua geral.

                        Vitória, quarta-feira, 10 de julho de 2002.

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