A
revista Caras lançou faz algum tempo uma coleção sobre os Tempos da Bossa Nova, quatro CD’s. Ouvindo-a agora pude pensar além
do que havia dito a Pedro de João Gilberto, tio dele, ter sido o construtor de
uma ponte entre a música clássica das elites e a música popular, permitindo um
novo nível de diálogo entre as elites e o povo brasileiro, com isso dando mais
tempo à união povelite ou nação. Com isso o Brasil não se fragmentou por mais
40 anos, só agora apresentando novos sinais de cansaço do projeto frágil da
burguesia. Porém, onde vai surgir outro João Gilberto?
Contudo, o lado menos
favorável da Bossa Nova (na Rede Cognata algumas traduções válidas seriam
BRASIL NOVO ou DANÇA NOVA ou TESÃO NOVO) é que se tratou de um movimento
pequeno-burguês do Rio de Janeiro, essencialmente, então capital de pequeno
império tropical de fundo cultural português, o Brasil. Como tal reproduzia o
superpoder de paisano da capital federal, muito rica relativamente e muito atoa
realmente, sem nada para fazer, só gozando o cair da tarde, as garotas de
Ipanema, o Sol-luz e o sol-calor, a água tépida, a liberdade pós 1945 até 1968
(mesmo após a pseudo-revolução redentora dos militares em 1964 ainda continuou
livre), os 23 anos de maior (e única) liberdade brasileira verdadeira em 500
anos de opressão.
Como foi legal, enquanto
durou, e como foi decepcionante quando terminou!
Enquanto durou a
humanidade inteira, o povo e as elites brasileiras e particularissimamente o
Rio de Janeiro gozaram de um dos maiores fenômenos de todos os tempos,
combinação do calor tropical com uma civilização florescente nova, com
liberdade de expressão, com grande criatividade artística, com movimento
filosófico independente, com penetração brasileira nas ciências, com tudo que
um grande povo e uma elite verdadeira poderiam dar, naquelas circunstâncias.
Porisso foi tão louvado,
tão apreciado por quem percebia, tão deplorado o seu fim, tão repetidas as
canções, tão eternas as emoções e as razões. Ali estavam pessoas que nada
faziam de relevante para o mundo, aparentemente, salvo gozar a vida e ter
porres de saudades, sucumbindo às coisas mais vagas e tolas da existência.
Mas com que graça e
tempero o faziam!
Com que nobreza d’alma
eles foram isentos de propósitos, desnorteados, inúteis para a nação!
Deram ao Brasil a
primeira coisa realmente apreciada universalmente, o primeiro momento em que de
fato o mundo se curvou para a futura grandeza deste lugar.
Nas músicas perpassa
essa vacuidade, essa santa estupidez que viu mais fundo que qualquer pensamento
das elites intelectuais, operárias, financistas, militares e bancárias daqui e
de fora, na crença da igualdade de todos os seres humanos no mais alto dos
mundos, no Paraíso mesmo. Creio que a bondade que atravessa o movimento bossanovista
era uma pregação da identidade de todos os seres humanos no amor incondicional
de ELI, Natureza/Deus, Ela/Ele – um ato de doação do Criador ao mundo criado,
através desta terra que em tudo mais foi covarde com os excluídos.
Através da Bossa Nova uma
porta estava sendo aberta para todos. Com o fim dela a porta foi fechada,
embora não para sempre.
Por meio dela uma amor
infinito estava se espremendo para fora da prisão em que foi confinado pela má
fé e má vontade da humanidade. Infelizmente não prosperou, porém deixou
sementes que fatalmente brotarão no momento em que a burguesia castradora
adormecer novamente de seus ódios ingênuos.
Vitória, sábado, 15 de
junho de 2002.
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