Sunday, November 03, 2013

O Espírito das Catedrais (da série Expresso 222..., Livro 4)


O Espírito das Catedrais

 

                        É risível ler essa história, ou essa incipiente geo-história segundo a qual a Idade Média foi uma época de atrasos, quando olhamos os seus produtos variadíssimos, em especial as catedrais.

                        Olhando as catedrais não deparamos só com a solução (mesmo hoje) invejável de inúmeros problemas de engenharia e arquitetura, em composições belíssimas que atravessaram séculos. Quantos prédios de nossos dias estarão de pé daqui a 700 anos, mesmo se forem tratados com carinho? As catedrais são preces erguidas. E denotam a maioridade dos medievos.

                        A primeira foi, segundo a Barsa eletrônica, a catedral de Pisa, que é de 1063, há 939 anos - já vai completar mil anos. Esse ano marca a independência da Idade Média em relação à Antiguidade, em relação a Roma e à Grécia. A Queda de Roma tendo se dado em 476, 587 anos antes, pode-se ver que é um tempo deveras curto! Menos de 600 anos depois o Ocidente, sob a condução segura da Igreja, já tinha mudado a face do mundo, desde o escravagismo até as novas relações humanas.

                        Então, sucessivamente, os europeus medievais foram erguendo em toda parte notícias, comunicações de sua independência. Mudaram inteiramente sua Psicologia (psicanálise/figuras, psico-síntese/objetivos, economia/produções, sociologia/organizações e geo-história ou espaçotempo). Adquiriram maioridade plena. Aquela única catedral de Pisa foi o anúncio inicial de uma crescente satisfação do povelite/nação europeu. Pela primeira vez os europeus não eram nem romanos, nem gregos, nem judeus, nem egípcios, nem babilônicos, nem persas – deixaram de ser copiadores para serem eles mesmos. O cartaz anunciador disso foi a Catedral de Pisa, seguida de dezenas e dezenas, por toda parte.

                        Cada cidade queria dizer: “veja, nós somos maiores que o passado”. E eram mesmo, passaram a ser.

                        Com as catedrais a Europa anunciou sua superioridade em relação aos complexos de inferioridade, ou seja, sua igualdade, sua autonomia, sua fortuna, sua independência, sua liberdade, sua identidade, seu futuro.

                        Seu, seu, seu e de mais ninguém.

                        Não foi na Queda de Constantinopla em 1453, foi bem antes. Com aquilo começou a verdadeira Reforma, a construção verdadeira da Europa. Tudo que veio depois (Renascença, Iluminismo, Século das Luzes) teve sua pedra fundamental naquela primeira catedral.

                        É claro, as pessoas em geral passaram ao largo dessa constatação, o que é uma pena, sob a ótica da melhor interpretação que esperaríamos sobre a geo-história.

                        Vitória, domingo, 30 de junho de 2002.

No comments: