Saturday, November 02, 2013

O Prazer de Escrever (da série Expresso 222..., Livro 3)


O Prazer de Escrever

 

                        Por que razão uma pessoa escreve?

                        Já raciocinei sobre isso, mas agoraqui colocarei mais coisas.

                        É pelo prazer, claro.

                        1) o prazer de ajudar a humanidade: mesmo que haja uma mínima chance de aproveitamento do que escrevemos, há em nós o impulso firme, característico, de prestar ajuda, o que remonta à nossa constituição mesma, àquilo que propriamente nos tornou humanos e possibilitou a lenta e continuada acumulação geral. É um impulso atávico, profundamente cravado em nós. Foi pouco estudado, mas está nos genes, nos cromossomos;

                        2) o prazer do desvendamento: como a descoberta em geral, digamos a de um enigma, do modo como Richard Feynman (físico americano, 1918 – 1988, 70 anos entre datas) fazia. Ter contra si todo o desconhecido e ir cavando lentamente até deparar com o veio de ouro e o alumbramento que ele proporciona;

                        3) o prazer do diálogo: evidentemente não é um verdadeiro diálogo, que envolveria pelo menos dois. Porém, em se tratando de racionalidade, a gente sabe perfeitamente que no outro pólo está uma pessoa, ou pelo menos estaria potencialmente;

                        4) o prazer do uso da capacidade lógica inata: estaremos construindo certo os períodos que permitirão chegar ao conhecimento novo? Ao tocarmos os objetos nós os estamos vendo mesmo, sem borrão, sem auto ilusão?

                        E assim por diante, basta investigar.

                        Como eu já disse e repito, não há altruísmo senão quando visto de fora, e para as pessoas bobocas que querem parecer mais do que são de fato. O que há mesmo é prazer reservado e indescritível, que não podemos contar realmente, senão apenas vagamente sugerir. É preciso fruir, desfrutar da condição de escritor para saber, assim como ninguém pode ter indiretamente acesso aos prazeres dos artistas, dos trabalhadores, dos guerreiros, etc.

                        Nem nisso nem em nada.

                        Por quê as pessoas continuariam agarradas à vida?

                        É evidente que amo de paixão minha filha e meu filho, meu pai e minha mãe, e gosto muito dos amigos, dos irmãos, dos parentes, de um tanto de gente mais próxima, e mais distantemente dos outros companheiros de aventura humana. Contudo, primeiro e antes de tudo, mais consistente e duradouramente eu me amo, 24 horas por daí (23 horas e 56 minutos, na realidade – ainda sobram 04 minutos para a hora seguinte), como diz a música da Blitz – “Batata, eu me amo, eu me adoro”. O que faço pelos meus filhos, se nada pude fazer pelo meu pai, que já está morto, e quem me ajuda mesmo aos 48 anos é minha mãe, em primeiríssimo lugar sou recompensado em mim.

                        Ninguém enfrenta horas e horas na máquina de escrever ou no teclado do computador, com tudo que tem de desconfortável fisicamente, se não houver nítida recompensa psicológica pessoal (para o indivíduo, para a sua família, para seu grupo, para sua empresa) e ambiental (para seu município/cidade, para seu estado, para sua nação e para seu mundo), em sucessivos e cada vez mais distantes níveis de lealdade.

                        A primeira e maior das lealdades é para consigo mesmo, seja nos iluminados, nos santos e sábios, nos estadistas, nos pesquisadores, nos profissionais, nas lideranças e no povo.

                        Pensar ou dizer o contrário ou é tolice, pela falta de conhecimento de si, ou é falta de sinceridade para com os outros.

                        Claro que eu penso na humanidade, e faço por ela. Mas, antes de tudo, faço pelo prazer íntimo inqualificável de escrever. Que está ligado, evidente, a POR QUEM ESCREVER, porque a gente não faz nada pelos perversos e os maus.

                        Vitória, sábado, 15 de junho de 2002.

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