O
Prazer de Escrever
Por que razão uma pessoa
escreve?
Já raciocinei sobre
isso, mas agoraqui colocarei mais coisas.
É pelo prazer, claro.
1) o prazer de ajudar a humanidade: mesmo que haja uma mínima chance
de aproveitamento do que escrevemos, há em nós o impulso firme, característico,
de prestar ajuda, o que remonta à nossa constituição mesma, àquilo que
propriamente nos tornou humanos e possibilitou a lenta e continuada acumulação
geral. É um impulso atávico, profundamente cravado em nós. Foi pouco estudado,
mas está nos genes, nos cromossomos;
2) o prazer do desvendamento: como a descoberta em geral, digamos a de
um enigma, do modo como Richard Feynman (físico americano, 1918 – 1988, 70 anos
entre datas) fazia. Ter contra si todo o desconhecido e ir cavando lentamente
até deparar com o veio de ouro e o alumbramento que ele proporciona;
3) o prazer do diálogo: evidentemente não é um verdadeiro diálogo, que
envolveria pelo menos dois. Porém, em se tratando de racionalidade, a gente
sabe perfeitamente que no outro pólo está uma pessoa, ou pelo menos estaria
potencialmente;
4) o prazer do uso da capacidade lógica inata: estaremos construindo
certo os períodos que permitirão chegar ao conhecimento novo? Ao tocarmos os
objetos nós os estamos vendo mesmo, sem borrão, sem auto ilusão?
E assim por diante,
basta investigar.
Como eu já disse e
repito, não há altruísmo senão quando visto de fora, e para as pessoas bobocas
que querem parecer mais do que são de fato. O que há mesmo é prazer reservado e
indescritível, que não podemos contar realmente, senão apenas vagamente
sugerir. É preciso fruir, desfrutar da condição de escritor para saber, assim
como ninguém pode ter indiretamente acesso aos prazeres dos artistas, dos
trabalhadores, dos guerreiros, etc.
Nem nisso nem em nada.
Por quê as pessoas
continuariam agarradas à vida?
É evidente que amo de
paixão minha filha e meu filho, meu pai e minha mãe, e gosto muito dos amigos,
dos irmãos, dos parentes, de um tanto de gente mais próxima, e mais distantemente
dos outros companheiros de aventura humana. Contudo, primeiro e antes de tudo,
mais consistente e duradouramente eu me amo, 24 horas por daí (23 horas e 56
minutos, na realidade – ainda sobram 04 minutos para a hora seguinte), como diz
a música da Blitz – “Batata, eu me amo, eu me adoro”. O que faço pelos meus
filhos, se nada pude fazer pelo meu pai, que já está morto, e quem me ajuda
mesmo aos 48 anos é minha mãe, em primeiríssimo lugar sou recompensado em mim.
Ninguém enfrenta horas e
horas na máquina de escrever ou no teclado do computador, com tudo que tem de
desconfortável fisicamente, se não houver nítida recompensa psicológica pessoal
(para o indivíduo, para a sua família, para seu grupo, para sua empresa) e
ambiental (para seu município/cidade, para seu estado, para sua nação e para
seu mundo), em sucessivos e cada vez mais distantes níveis de lealdade.
A primeira e maior das
lealdades é para consigo mesmo, seja nos iluminados, nos santos e sábios, nos
estadistas, nos pesquisadores, nos profissionais, nas lideranças e no povo.
Pensar ou dizer o
contrário ou é tolice, pela falta de conhecimento de si, ou é falta de
sinceridade para com os outros.
Claro que eu penso na
humanidade, e faço por ela. Mas, antes de tudo, faço pelo prazer íntimo
inqualificável de escrever. Que está ligado, evidente, a POR QUEM ESCREVER,
porque a gente não faz nada pelos perversos e os maus.
Vitória, sábado, 15 de
junho de 2002.
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