Tuesday, November 05, 2013

Onde Mora o Perigo (da série Expresso 222..., Livro 5)


Onde Mora o Perigo

 

                        Do bordão que se tornou popular: “é aí que mora o perigo”, ou “onde mora o perigo?” – quer dizer, no detalhe, no que é em geral desprezado.

                        Por exemplo, tomemos a questão das pressões, das medidas de pressão do bombeamento sanguíneo, entre as sistólicas (relativas ao período de contração do coração) e as diastólicas (movimento de dilatação do coração e das artérias). Fiquei sabendo que o maior problema não é estar, por exemplo, em 180/120, mas sim de estar, digamos 150/130, ou mais, quer dizer, o que importa mesmo é a diferença entre a superior e a inferior, ou vice-versa.

                        E assim é para tantos conhecimentos. O povo não sabe dos detalhes, não são dadas informações para evitar aquela porçãozinha que faz a diferença entre ter filhos e ser considerado um pervertido, ser um sodomita.

                        Qual é a razão perversa de as elites não se dedicarem verdadeiramente aos seus povos respectivos? Não é uma coisa daqui, apenas, é geral, é como o pareamento entre homens e mulheres em todos os conjuntos do planeta (famílias, grupos, empresas, municípios/cidades, estados, nações e mundo). Por que esses detalhes não são comunicados e, principalmente, não o são em linguagem popular?

                        É isso que assombra.

                        Como dizem, o amor se mostra nos detalhes, naquele filigrana, na ourivesaria, no acabamento. Senão fica sendo só obrigação, mau-humor contido por regras de convivência e obrigações escritas de trabalho.

                        A pergunta consistente é esta: por quê as elites são incompetentes para amar? Que é que dentro delas ruiu a ponto de só terem restado os escombros do que teria sido uma bela construção? Que desleixo civilizatório foi esse que no lugar de um lindíssimo edifício fez aparecer o rococó da dúvida?

                        E é justamente nisso que mora o perigo, vez em quando transformado em revolução, insurgência, rebelião, revolta, sublevação, levantamento, rebeldia, levante, com o conseqüente morticínio geral. Tal incapacidade de prestar atenção aos detalhes naturalmente rende muitas teses de mestrado e doutorado.

                        É preciso investigar detalhadamente, sistematicamente, os pontos onde a falta de atenção às minúcias causa danos e que tipos de estragos, reais ou potenciais (os que não se expressaram ainda).

                        Só assim a civilização brasileira dará saltos.

                        Tudo começará por oferecer informações minuciosas ao nível e ao gosto popular, das massas, da chamada “gente miúda”, da “arraia miúda”, do “Zé povão” ou “Zé povinho”, todas essas formas depreciativas de chamar a base da existência humana. Só assim o povelite/nação brasileira terá grandeza à altura do mundo e este se dobrará verdadeiramente a um valor novo e excelso.

                        Vitória, sexta-feira, 26 de julho de 2002.

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